sexta-feira, 18 de janeiro de 2008
quinta-feira, 17 de janeiro de 2008
BRUMA NUPCIAL
No vendaval iluminado pela água,
águia celebra o modo antigo do quebranto.
Tudo encetei, nada possuí.
Um pouco mais de além eu era
azul de paraíso.
Na minha alma em bruma
tudo se derrama,
menos o fel.
Tudo se derrama:
teus cabelos, olhos castanhos,
silêncio que queima o menino no tombadilho.
Entanto nada foi só ilusão
nessas núpcias adiadas.
Um dia vou te beijar no fundo
para que um de nós vire flor.
O grande sonho despertado ainda espreita:
águia que cura asas no abismo.
No vendaval iluminado pela água,
águia celebra o modo antigo do quebranto.
Tudo encetei, nada possuí.
Um pouco mais de além eu era
azul de paraíso.
Na minha alma em bruma
tudo se derrama,
menos o fel.
Tudo se derrama:
teus cabelos, olhos castanhos,
silêncio que queima o menino no tombadilho.
Entanto nada foi só ilusão
nessas núpcias adiadas.
Um dia vou te beijar no fundo
para que um de nós vire flor.
O grande sonho despertado ainda espreita:
águia que cura asas no abismo.
ARCOS D'ÁGUA
Sabei, ondas de sombra, arcos d'água,
que sou barco em flor, estrela na ribanceira.
A fúria minha, escuro miúra, vem de altos eucaliptos.
A morte minha sonha com ribeiras.
O vento torna curvos os eucaliptos que,
de perfil, são anjos que ardem no campo.
Desconcerta-se o diamante se, de repente,
nos abandona para sempre a seiva da luz.
Arde também o riso pelo campo, onde a morte
sorve das ribeiras a tensão fluvial.
À beira do sonho, como em desvario,
deusas enxaguam cílios na tempestade,
batem bongôs pelas ravinas as deusas:
elas parecem nuvens no céu alto,
lembrai que sois iguais a nuvens,
iguais às deusas que esvoaçam rentes
ao capinzal que ondula.
Sabei, ondas de sombra, arcos d'água,
que sou barco em flor, estrela na ribanceira.
A fúria minha, escuro miúra, vem de altos eucaliptos.
A morte minha sonha com ribeiras.
O vento torna curvos os eucaliptos que,
de perfil, são anjos que ardem no campo.
Desconcerta-se o diamante se, de repente,
nos abandona para sempre a seiva da luz.
Arde também o riso pelo campo, onde a morte
sorve das ribeiras a tensão fluvial.
À beira do sonho, como em desvario,
deusas enxaguam cílios na tempestade,
batem bongôs pelas ravinas as deusas:
elas parecem nuvens no céu alto,
lembrai que sois iguais a nuvens,
iguais às deusas que esvoaçam rentes
ao capinzal que ondula.
ODE
Quem me raptou de minha cama entre flores, águas,
e ao corvo não deu o tom de carícia?
Quem se dissolve nos músculos do cavalo?
Quem me conspira a tornar-me Órion, seda de antúrio,
rio com botos, depois me esquece?
E para quê o esquecimento, se de amor e sonho
nossa respiração alaúde?
Alaúde,
no cascalho,
sob águas claras.
Alaúde,
não o tenho em minhas mãos,
faz sombra no muro.
Quem me raptou de minha cama entre flores, águas,
e ao corvo não deu o tom de carícia?
Quem se dissolve nos músculos do cavalo?
Quem me conspira a tornar-me Órion, seda de antúrio,
rio com botos, depois me esquece?
E para quê o esquecimento, se de amor e sonho
nossa respiração alaúde?
Alaúde,
no cascalho,
sob águas claras.
Alaúde,
não o tenho em minhas mãos,
faz sombra no muro.
SIDERAL
Ô ressurreição, dê água a meus ossos,
me livre da aboiz de achar que eu sei tudo.
Sou bossa de corisco, silêncio de adro,
diamante que não,
que sim.
Ô ressurreição, dê arejos às trevas,
me livre da falta de doçura, do vício
de não escutar as trepadeiras trêmulas no aljibe.
Tudo volta ao silêncio.
Nunca estive entre as folhas da abanga.
Nunca me chamaram de Beechmann.
Ô ressurreição, que o que agora vislumbro
não se perca, não se perca.
E alguma coisa disso tudo seja meu:
o linho da mortalha dos anjos,
a xícara branca,
o sorriso dos Reis,
os passos no desconhecido,
as delícias, os cinamomos,
os vasos cilíndricos de barro,
e mais tudo o que,
por distraído,
esqueci.
Ô ressurreição, dê água a meus ossos,
me livre da aboiz de achar que eu sei tudo.
Sou bossa de corisco, silêncio de adro,
diamante que não,
que sim.
Ô ressurreição, dê arejos às trevas,
me livre da falta de doçura, do vício
de não escutar as trepadeiras trêmulas no aljibe.
Tudo volta ao silêncio.
Nunca estive entre as folhas da abanga.
Nunca me chamaram de Beechmann.
Ô ressurreição, que o que agora vislumbro
não se perca, não se perca.
E alguma coisa disso tudo seja meu:
o linho da mortalha dos anjos,
a xícara branca,
o sorriso dos Reis,
os passos no desconhecido,
as delícias, os cinamomos,
os vasos cilíndricos de barro,
e mais tudo o que,
por distraído,
esqueci.
HARÉM AQUÁTICO
Em mim alma de barro cru e, claro,
eu preferiria residir num harém,
--- harém aquático ---
sem estorvo do areento.
O linho alto das nuvens em queda agora:
águas águas águas.
O coração esquecido no aguaçal.
O fero, em mim, transparente leão branco,
que é manso e silente.
Eu tranqüilo numa das camas do harém aquático,
e, a cada vez que se entreabre a porta azul,
fulge a asa do anjo antiqüíssimo
e o açude de uma Sibila antiga
escuta a pele minha em chamas.
Se abre outra vez a porta azul:
ave-do-paraíso, com sede, me olha.
Em mim alma de barro cru e, claro,
eu preferiria residir num harém,
--- harém aquático ---
sem estorvo do areento.
O linho alto das nuvens em queda agora:
águas águas águas.
O coração esquecido no aguaçal.
O fero, em mim, transparente leão branco,
que é manso e silente.
Eu tranqüilo numa das camas do harém aquático,
e, a cada vez que se entreabre a porta azul,
fulge a asa do anjo antiqüíssimo
e o açude de uma Sibila antiga
escuta a pele minha em chamas.
Se abre outra vez a porta azul:
ave-do-paraíso, com sede, me olha.
A CICLISTA DE BLUSA BRANCA
SUMIU NA ESQUINA
Eu amo o que não tenho
e não tenho a ciclista de blusa branca
que sumiu na esquina.
Então amo a blusa branca, a esquina,
e a ciclista que sumiu.
A ciclista branca odeia a esquina.
O que sumiu sumiu.
A esquina sumiu ao ver a blusa branca.
A ciclista ama o que não ama.
Sabe-se que a ciclista nunca teve bicicleta.
Sempre andou a pé.
Então amo o pé da ciclista.
Amo a esquina que, depois de sumir, reapareceu,
e surra um peixe ou abre um guarda-chuva.
SUMIU NA ESQUINA
Eu amo o que não tenho
e não tenho a ciclista de blusa branca
que sumiu na esquina.
Então amo a blusa branca, a esquina,
e a ciclista que sumiu.
A ciclista branca odeia a esquina.
O que sumiu sumiu.
A esquina sumiu ao ver a blusa branca.
A ciclista ama o que não ama.
Sabe-se que a ciclista nunca teve bicicleta.
Sempre andou a pé.
Então amo o pé da ciclista.
Amo a esquina que, depois de sumir, reapareceu,
e surra um peixe ou abre um guarda-chuva.
RÉQUIEM
Não estamos nunca vivos.
Pra quê a vida? Para enrijecer o coração,
tornando-o pétreo com essa ausência de tudo
o que eram ondas, mulheres, quartetos de Haydn?
Não vivos! Começo a embrutecer o som oblíquo,
a perder de vista os olhos, as linhas de Matisse
nas barbatanas de miúdos peixes vermelhos.
Não vivos! Agora com medo da morte.
A morte nunca foi algo que pudéssemos esquecer.
Não estamos vivos. Nada dorme no céu.
À sombra íntima de mim sais-gusanos,
renegados apelos e caliças, prata dúctil,
parada treva, gaivotas desabadas no vento vivo,
certas esquinas saturadas de amendoeiras.
À sombra íntima de mim fiéis molossos,
ossudos e ferozes, guardam meu sono
para que eu levite com o movimento
de tuas asas para o alto, ó Anjo!
O céu: um sonho antigo.
As pedras, no céu de Rafael Alberti,
inofensivas.
Não estamos nunca vivos.
Pra quê a vida? Para enrijecer o coração,
tornando-o pétreo com essa ausência de tudo
o que eram ondas, mulheres, quartetos de Haydn?
Não vivos! Começo a embrutecer o som oblíquo,
a perder de vista os olhos, as linhas de Matisse
nas barbatanas de miúdos peixes vermelhos.
Não vivos! Agora com medo da morte.
A morte nunca foi algo que pudéssemos esquecer.
Não estamos vivos. Nada dorme no céu.
À sombra íntima de mim sais-gusanos,
renegados apelos e caliças, prata dúctil,
parada treva, gaivotas desabadas no vento vivo,
certas esquinas saturadas de amendoeiras.
À sombra íntima de mim fiéis molossos,
ossudos e ferozes, guardam meu sono
para que eu levite com o movimento
de tuas asas para o alto, ó Anjo!
O céu: um sonho antigo.
As pedras, no céu de Rafael Alberti,
inofensivas.
OS ANTEPASSADOS
O deus Águila é de argila provisória
em nosso coração.
Coração ama mares vindouros com peixes
longamente azuis --- peixes entre ilhas --- coração
ama sacrários onde a voz, óleo primeiro,
consome-se e retorna ignorada, náutica e simples,
a voz vão recitá-la os que rondam outros sóis.
Sóis mais profundos que a restinga de Marambaia.
E na restinga águas parecem lágrimas
por termos morrido todos
-- nós ---
homens de pescoços libélulas
--- nós ---
os que, sendo precários,
éramos somente pétalas na proa
de alguma estrela sumidamente longínqua
O deus Águila é de argila provisória
em nosso coração.
Coração ama mares vindouros com peixes
longamente azuis --- peixes entre ilhas --- coração
ama sacrários onde a voz, óleo primeiro,
consome-se e retorna ignorada, náutica e simples,
a voz vão recitá-la os que rondam outros sóis.
Sóis mais profundos que a restinga de Marambaia.
E na restinga águas parecem lágrimas
por termos morrido todos
-- nós ---
homens de pescoços libélulas
--- nós ---
os que, sendo precários,
éramos somente pétalas na proa
de alguma estrela sumidamente longínqua
quarta-feira, 16 de janeiro de 2008
VILA DE PESCADORES
Cantaz --- antiga Vila
de Pescadores, próxima do golfo
do Caranguejo. --- Dizem,
que em Cantaz vive, dizem,
um homem --- Juliá --- que enxerga
por duas covas de diamante.
É visto aos sábados esse homem.
E a carne de seu corpo
é da carne de um pássaro,
--- mais precisamente da cacatua,
que, como se sabe, a cacatua
é o único anjo da Vila de Pescadores
--- Cantaz --- sob o sol maduro,
e Juliá é quem move os moinhos do sol.
Cantaz --- antiga Vila
de Pescadores, próxima do golfo
do Caranguejo. --- Dizem,
que em Cantaz vive, dizem,
um homem --- Juliá --- que enxerga
por duas covas de diamante.
É visto aos sábados esse homem.
E a carne de seu corpo
é da carne de um pássaro,
--- mais precisamente da cacatua,
que, como se sabe, a cacatua
é o único anjo da Vila de Pescadores
--- Cantaz --- sob o sol maduro,
e Juliá é quem move os moinhos do sol.
terça-feira, 15 de janeiro de 2008
FONTES PARA MÍRIAM SANTINI DE ABREU,
A BELA
Aroma nupcial do raio.
Chamarei de inocência ao raio que te trouxe.
Na tempestade os teus olhos
dormem
ao lado do Jardim Suspenso da Babilônia.
Ouve-se
no laranjal
a brancura de linho da música.
Aroma nupcial de laranjas tapetando
o chão da eternidade.
Eis como chega a eternidade, seus dardos
transpassando gomos de laranja.
Ouve-se o aroma nupcial do raio
sobre as fontes do oceano.
Teus pumões as fontes.
A BELA
Aroma nupcial do raio.
Chamarei de inocência ao raio que te trouxe.
Na tempestade os teus olhos
dormem
ao lado do Jardim Suspenso da Babilônia.
Ouve-se
no laranjal
a brancura de linho da música.
Aroma nupcial de laranjas tapetando
o chão da eternidade.
Eis como chega a eternidade, seus dardos
transpassando gomos de laranja.
Ouve-se o aroma nupcial do raio
sobre as fontes do oceano.
Teus pumões as fontes.
segunda-feira, 14 de janeiro de 2008
A VELHA CHAMA
A urna de meu peito enferruja,
se tua voz não tem volta.
Meu vulto perde o perfume,
ando de lá para cá, ardo em azinhavre.
Um dia, quem sabe, morto,
pelo espinheiro além eu embarque na manhã
em busca do último grão de vento.
Talvez eu possa ser viageiro deste trem
com a urna do peito tocada pelo fogo.
Quem ousou esperar que o perfume do vulto
assim jorrasse entre palavras e ritos?
Lapidar árduo cristal de neve,
se tua voz não volta nunca mais.
Dar ao cristal o contorno da ausência.
A urna de meu peito enferruja,
se tua voz não tem volta.
Meu vulto perde o perfume,
ando de lá para cá, ardo em azinhavre.
Um dia, quem sabe, morto,
pelo espinheiro além eu embarque na manhã
em busca do último grão de vento.
Talvez eu possa ser viageiro deste trem
com a urna do peito tocada pelo fogo.
Quem ousou esperar que o perfume do vulto
assim jorrasse entre palavras e ritos?
Lapidar árduo cristal de neve,
se tua voz não volta nunca mais.
Dar ao cristal o contorno da ausência.
sábado, 12 de janeiro de 2008
ORIKI
Quando o filósofo Mo tsi apodreceu,
pôs-se no túmulo a saborear nuvens
caídas na carapaça do rinoceronte:
viu mar no alto do eucalipto.
Viu frase de garoa na guelra do salmão.
No nojo em que se viu imerso,
banhou-se todo em fedor e ácaros:
quis desfiar o rosário de buirás na chuva,
quis sonhar de orvalho o rinoceronte.
E, durante o apodrecimento seu,
no túmulo sonhou linhagens aquáticas:
estava próximo da vegetação dos ventos,
estava uma barca na nevasca,
sua alma acendeu um oriki.
Quando o filósofo Mo tsi apodreceu,
pôs-se no túmulo a saborear nuvens
caídas na carapaça do rinoceronte:
viu mar no alto do eucalipto.
Viu frase de garoa na guelra do salmão.
No nojo em que se viu imerso,
banhou-se todo em fedor e ácaros:
quis desfiar o rosário de buirás na chuva,
quis sonhar de orvalho o rinoceronte.
E, durante o apodrecimento seu,
no túmulo sonhou linhagens aquáticas:
estava próximo da vegetação dos ventos,
estava uma barca na nevasca,
sua alma acendeu um oriki.
quinta-feira, 10 de janeiro de 2008
É sempre o mesmo fingimento, o igual cadáver adiado, a sempre mente dispersa. Aqui estou, ressuscitado, Eu – Schopenhauer – e, num dos quartos do Paraíso onde respiro, acho um consolo na cannabis que acendi.
A piscina mostra seu abismo azul-claro, – um abismo, um belo abismo.
Nela mergulho mágoas, vísceras grudentas. Sem a vertigem eu seria um corvo a crocitar em ramagens e adágios. Hilda Hilst, quem diria, mora no quarto contíguo ao meu e me leva a toda parte --- dormimos naquele banco do jardim ---, encharcados d’água desse chafariz fingido; sim, fingido, posto que aqui no Paraíso não há nada, apenas a mente quântica existe aqui e, agora, a tudo inventa, sem nuvens e ressentimentos. Pois este “agora” é o motivo particular e a sina. Se eu nunca mais morrer, como presumo, sobreviverei no nome desse ventilador que esparze folhas de calêndulas pelas peles cântaras. Sonhas, não? Hilda Hilst faz um gesto negativo.
– Agora, aqui no Paraíso, é que não sonho mais, meu querido. De manhã, é o próprio Deus que me acorda e o Pegasus trepa comigo na cama de chuva onde trocamos carícias e fumamos a luz invencível.
Para sempre ressuscitado, Eu – Schopenhauer – aprendi que o sol é a sombra do sol e me recuso a molhar os gatos durante a chuva. Tenho outro ar agora: os olhos metidos para dentro vêem pensar o cérebro.
A piscina mostra seu abismo azul-claro, – um abismo, um belo abismo.
Nela mergulho mágoas, vísceras grudentas. Sem a vertigem eu seria um corvo a crocitar em ramagens e adágios. Hilda Hilst, quem diria, mora no quarto contíguo ao meu e me leva a toda parte --- dormimos naquele banco do jardim ---, encharcados d’água desse chafariz fingido; sim, fingido, posto que aqui no Paraíso não há nada, apenas a mente quântica existe aqui e, agora, a tudo inventa, sem nuvens e ressentimentos. Pois este “agora” é o motivo particular e a sina. Se eu nunca mais morrer, como presumo, sobreviverei no nome desse ventilador que esparze folhas de calêndulas pelas peles cântaras. Sonhas, não? Hilda Hilst faz um gesto negativo.
– Agora, aqui no Paraíso, é que não sonho mais, meu querido. De manhã, é o próprio Deus que me acorda e o Pegasus trepa comigo na cama de chuva onde trocamos carícias e fumamos a luz invencível.
Para sempre ressuscitado, Eu – Schopenhauer – aprendi que o sol é a sombra do sol e me recuso a molhar os gatos durante a chuva. Tenho outro ar agora: os olhos metidos para dentro vêem pensar o cérebro.
quarta-feira, 9 de janeiro de 2008
terça-feira, 8 de janeiro de 2008
O PRÍNCIPE RESSUSCITA O GRÃO DE CHUVA
Eu te tratei como príncipe, meu Deus,
mas foste mau com a espécie.
Dizimaste inumeráveis chuvas
que estavam suspensas aos quatro ventos.
Entre os teu longos dedos brancos,
a negra ardósia de nosso túmulo.
Como não te comoveste com tantas
ondas tenras de constelações sumindo?
Se em teu coração celeste houvesse
apenas a sede de alcançar a estrela,
se evaporaria do jardim a morte.
Entre barqueiros acordaríamos leves
--- e príncipe que és, com olhos de céu ---
ressuscitarias cada grão de chuva dizimada.
Eu te tratei como príncipe, meu Deus,
mas foste mau com a espécie.
Dizimaste inumeráveis chuvas
que estavam suspensas aos quatro ventos.
Entre os teu longos dedos brancos,
a negra ardósia de nosso túmulo.
Como não te comoveste com tantas
ondas tenras de constelações sumindo?
Se em teu coração celeste houvesse
apenas a sede de alcançar a estrela,
se evaporaria do jardim a morte.
Entre barqueiros acordaríamos leves
--- e príncipe que és, com olhos de céu ---
ressuscitarias cada grão de chuva dizimada.
SONETO DA RENDIÇÃO ARCANJA
Eu e a Arcanja rolamos no areal.
Víbora que se torce no fogo, grito: me abençoe!
A Arcanja não quer nem me escutar.
Rolamos pelas urzes, pelos precipícios.
Volto a gritar: me abençoe!
A Arcanja sabe me cravar sua íris de ira.
Pede meu escalpo, minhas ninfas,
meu vocabulário, minhas unhas.
--- Me abençoe!
--- Não!
--- Me abençoe!
--- Não!
Sento sob as olaias e, de forma serena,
tento pela última vez --- a Arcanja me abençoa.
Eu e a Arcanja rolamos no areal.
Víbora que se torce no fogo, grito: me abençoe!
A Arcanja não quer nem me escutar.
Rolamos pelas urzes, pelos precipícios.
Volto a gritar: me abençoe!
A Arcanja sabe me cravar sua íris de ira.
Pede meu escalpo, minhas ninfas,
meu vocabulário, minhas unhas.
--- Me abençoe!
--- Não!
--- Me abençoe!
--- Não!
Sento sob as olaias e, de forma serena,
tento pela última vez --- a Arcanja me abençoa.
segunda-feira, 7 de janeiro de 2008
O SOL ESCURO
O homem do calabouço passeia sob o sol escuro:
--- Se o sol é a sombra de Buddha,
quem é Buddha, então?
Buddha vaticina:
--- Hoje mesmo os teus olhos iluminarão o sol.
O homem do calabouço argumenta:
--- Altamente concentrado no unilateral,
jamais serei claro.
Buddha diz ao homem do calabouço:
--- Em você é real e claro o que é invisível,
falante de uma fala que é da gramática só uma lasca.
O homem do calabouço passeia sob o sol escuro:
--- Se o sol é a sombra de Buddha,
quem é Buddha, então?
Buddha vaticina:
--- Hoje mesmo os teus olhos iluminarão o sol.
O homem do calabouço argumenta:
--- Altamente concentrado no unilateral,
jamais serei claro.
Buddha diz ao homem do calabouço:
--- Em você é real e claro o que é invisível,
falante de uma fala que é da gramática só uma lasca.
OBSERVANDO NO HORTO A ILUSÃO
O opus imperial do escritor
nunca se encontra no texto caligrafado,
mas antes no concílio diário
com a altura irreal do belo e do selvagem,
onde se pratica com os princípios
materiais do absoluto.
A arte de deformar imagens
busca a liça do aço abrasado:
aço que respira com os claros do sono,
aço do fogo ardente com que aí está,
aço dos grãos azuis com a pedra racional.
O que não existe pode acordar no céu.
A sabedoria a captamos na ilusão
e a arte é silêncio.
O opus imperial do escritor
nunca se encontra no texto caligrafado,
mas antes no concílio diário
com a altura irreal do belo e do selvagem,
onde se pratica com os princípios
materiais do absoluto.
A arte de deformar imagens
busca a liça do aço abrasado:
aço que respira com os claros do sono,
aço do fogo ardente com que aí está,
aço dos grãos azuis com a pedra racional.
O que não existe pode acordar no céu.
A sabedoria a captamos na ilusão
e a arte é silêncio.
O SONHO DE KALICANTHUS
Antiga a sabedoria a do pergaminho,
se permanece em silêncio.
Se quiserem desvelar o pergaminho,
que tenham a paciência de lê-lo.
O inexistente poeta persa Kalicanthus sonhou,
por ter adormecido sob nuvens,
com deusa nascendo da espuma,
e por não ter ignorado o sonho,
teve a ventura que mereceu:
afogar-se num mar de rosas.
As mudanças imperceptíveis,
sempre as mais profundas.
Daí a satisfação de Kalicanthus
sendo chupado no flanco pela deusa.
Antiga a sabedoria a do pergaminho,
se permanece em silêncio.
Se quiserem desvelar o pergaminho,
que tenham a paciência de lê-lo.
O inexistente poeta persa Kalicanthus sonhou,
por ter adormecido sob nuvens,
com deusa nascendo da espuma,
e por não ter ignorado o sonho,
teve a ventura que mereceu:
afogar-se num mar de rosas.
As mudanças imperceptíveis,
sempre as mais profundas.
Daí a satisfação de Kalicanthus
sendo chupado no flanco pela deusa.
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