quinta-feira, 10 de julho de 2008



Interpreta-se o mito de Dânae como sendo a chuva a fertilizar o solo com suas gotas de ouro. Dânae significaria, assim, a terra ávida pela umidade, que apenas o "Deus dos céus" pode fecundar.
CARTA

Querida,
a primeira coisa a fazer é apagar a frase:
"A minha situação financeira é muito crítica".

É feito alguém que diz que está com "uma doença crônica" quando, na verdade, só está gripada ou nem isso.

Tudo inicia no pensamento e, já sabemos, o pensamento é imaterial.

Antes do pensamento, apenas a consciência nos salva de todo e qualquer naufrágio.

Consciência: mente sem pensamentos --- eis o Silêncio.

Mente: consciência com pensamentos --- devemos ficar atentos feito um arqueiro zen.

Aquilo que chamam Diabolum (Demônio: ele é dual: bem e mal; crítico, não-crítico) é só o contrário de Symbolum (que é mais amplo, mistura o bem e o mal, e os depura; o Symbolum sabe que onde há sombra há luz).

O Demônio enfraquece a Vida, justamente porque ele não crê que possa haver algo mais que a matéria.

Já a Poesia (regida pelo Símbolo) considera a possibilidade real do invisível (sem desprezar a matéria) e exerce este invisível, reverente, de maneira soberana.

Se tua mente diz, de maneira consciente, que "A minha situação financeira é muito crítica". O que você pode esperar que aconteça?

Por isso temos a Voz do Silêncio (o Dáimon socratiano, lembra?) --- devemos escutá-la --- à Vox Silentium.

E ela poderá dizer: "Minha situação esteve crítica até ontem. Nesse exato minuto começa uma abissal transformação. O dinheiro chega fácil às minhas mãos. O dinheiro e alguns ramos com chuvas".

Somos o que pensamos, minha amiga.

Eu tenho estudado muito os princípios filosóficos da Física Quântica. Um dos focos dessa ciência é que, para o Cérebro, não há diferença entre um pássaro de ouro que vemos na árvore perfumada e o ato de imaginar (ou escrever) um pássaro de ouro na árvore perfumada.

Se escrevo um pássaro de ouro na árvore perfumada --- ele, de alguma forma ---, já respira em mim e eu sou todo um pássaro de ouro na árvore perfumada.

E é esta a função da Poesia, dizer o desejo.

Servo reverente de Algo, ou Deus, ou Buddha, ou o Vazio, ou a Quintessência, eu devo aguardar que esse pássaro de ouro e essa árvore perfumada façam de mim o que quiserem.

Ninguém nunca que vai dizer: "Desejo uma faca enferrujada me furando o tímpano".

Somos o que falamos: e a Poesia é a arte de bendizer o maldito (o que está dito mal).

O grande insight de Freud para o século 20 foi que, no Inconsciente, não há o não.

Para Freud, o Inconsciente era o Lugar onde só pode haver o Amor, o Sim primordial, o Fluido Integrativo. E para ali devemos retornar o tempo todo: para o Amor, para o Sim primoridal, para o Fluido Integrativo, para os ramos de chuva.

Mas você também pode dizer não (contudo esse não será um sim, porque afirmativo) à mentira, à situação crítica financeira, menos aos ramos de chuva.

Sei, minha amiga, que tens virtú (força) para isso.

Havia uma deusa na Grécia Antiqua --- Dânae --- nela caíam chuvas de ouro.

Tu és uma deusa --- moça em flor --- em ti caem chuvas de ouro e pensamentos de luz.

Com Amor,

Fernando José Karl


Bruno Ganz

Ver a “Cena do conversível”,

do filme Asas do Desejo,

de Wim Wenders.

http://www.youtube.com/watch?v=6dDtZ-B0ohw