sábado, 24 de maio de 2008

Eri Skyrgianni


Lucana grafita a carvão, nos muros gretados que circundam a Casa de Água, a pedra de toque de Valéry: “Devemos ajudar a Hidra a esvaziar seu nevoeiro”. E pensa consigo a silenciosa Lucana: “Lutuosa Hidra que ressona no lodaçal. Hidra imersa no nevoeiro. Sal e pregos vazam de sua alma sem aragem e nem a tempestade dissolve a Hidra. Com óleos bentos ou com o fio de ouro da consciência esvaziar o sono que a coroa e coroá-la de chuvas. Talos de capim, águas da cacimba pode que a destravem dos arcos-de-ferro que a ressecam. A respiração da Hidra embaça o vidro. Os nevoeiros da Hidra: calafrio: crosta: batráquio: se os curarmos com a benção que relaxa, a tempestade aroma-se de ervas finas”. Singramos à praia de Pinheiros-bravos. O céu nunca naufraga: a brisa que nos envolve traz a essa alta árvore em nossos tímpanos uma esparsa de Josely Vianna Baptista:

e nada é imagem
(teu corpo branco em mar de sargaços)
nada é miragem
na tela rútila das pálpebras.

Paulo Autran
Escutar Paulo Autran recitando "Resíduo",
de Carlos Drummond de Andrade

http://www.youtube.com/watch?v=18FkamLxzdg&feature=related

Hugo Henneberg


ARCOS D'ÁGUA

Sabei, ondas de sombra, arcos d'água, que sou barco em flor, estrela na ribanceira. A fúria minha, escuro miúra, vem de altos eucaliptos. A morte minha sonha com ribeiras. O vento torna curvos os eucaliptos que, de perfil, são anjos que ardem no campo. Desconcerta-se o diamante se, de repente, nos abandona para sempre a seiva da luz. Arde também o riso pelo campo, onde a morte sorve das ribeiras a tensão fluvial. À beira do sonho, como em desvario, deusas enxaguam cílios na tempestade, batem bongôs pelas ravinas as deusas: elas parecem nuvens no céu alto, lembrai que sois iguais a nuvens, iguais às deusas que esvoaçam rentes ao capinzal que ondula.