quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Elizabeth Opalenik, sem data

Ao bater do meio-dia, a gueixa Yuki entrava na tina de Ofurô, a nudez dentro da tina, onde os perfumes derramados davam à água um tom cristalino de nada: depois uma carpa a penetrava, gozoza, de escamas macias, a carpa ia e vinha e friccionava as fendas da gueixa com o cerimonial de quem celebra um culto noturno; e embrulhada num céu que não tinha fim, a alma de Yuki — céu de seda — e, num dos recantos de seu mistério, a gueixa ondulava suavemente os quadris, dando aqui e além certo olhar ao jardim lá fora, entre árvores silenciosas - o jardim de pedra.


O resto da tarde, se havia luz que salpicasse as profundezas do horto, a gueixa Yuki passava lendo na Sala de Chá, e ali a mobília era de vime e os pequenos vasos de flores de cerejeira calavam cada mágoa, cada ira.


Um jardim de pedra; aí, quando nele estava, Yuki saboreava os escritos de O Livro do Vento, do poeta Syn Li. Enquanto iam sendo lidas as pequenas odes — a música na vitrola refrescava o ar —, e a gueixa agitava o leque e pensava na carpa, no céu, na seda.

Ver 7 mulheres

Todd Webb, 1945

Ludovico Wolfang Hart, 1863

Klavdij Sluban, 2003

Joy Goldkind, 2006

Giacomo Caneva, 1855

Gary Auerbach, sem data

Anon, 1890

Hieronymos Bosch (1450-1516)


Há uma única maneira de penetrar a "peneira insuperável que é a organização do castelo": converter-se num "pequeno grão estranho, formado de modo definido, além de ágil".

Roberto Calasso citando Kafka

Anna Politkovskaya