quinta-feira, 14 de maio de 2009

Todo dia é dia de poesia

Man Ray (1890-1976)

O PRÍNCIPE RESSUSCITA O GRÃO DE CHUVA

Eu te tratei como príncipe, meu Deus, mas foste mau com a espécie. Dizimaste inumeráveis chuvas que estavam suspensas aos quatro ventos. Entre os teus longos dedos brancos, a negra ardósia de nosso túmulo. Como não te comoveste com tantas ondas tenras de constelações sumindo? Se em teu coração celeste houvesse apenas a sede de alcançar a estrela, se evaporaria do jardim a morte. Entre barqueiros acordaríamos leves – e príncipe que és, com olhos de céu – ressuscitarias cada

grão
de

chuva

Magritte (1898-1976)

Lapidem esse aquam fontis vivi.
A pedra é uma fonte de água viva.

Anônimo

Consuelo Kanaga, 1948

ESTA É A CONFIANÇA QUE TEMOS EM DEUS: SE LHE PEDIMOS ALGUMA COISA, SEGUNDO A SUA VONTADE, ELE NOS OUVE.
(1 João 5, 14)

Pés de ouro equilibram-se em peixes. Inciput erat verbum: no princípio era a palavra. A palavra é clarabóia sobre o pensamento escuro. Jesus cita as antigas escrituras para sugerir que somos deuses. Na fonte fria lavar cabelos, lavar cabelos na fonte fria. Pés de pluma equilibram-se em águas. Tenho confiança em Deus e a Ele peço três coisas, segundo a Sua vontade:

– a força da criança
– a força da poesia
– a força da música

Edward Dimsdale, sem data

Logo se espalha um suave vento e as cortinas começam a dançar. A serenidade de um verso latino. Na casa de Menandro angst (medo) morre nas pedras. Eu escuto orvalho no olho do peixe que paira o aquário da casa antiga, casa antiga que os vendavais circundam. Uma ramagem de sutis idílios faz sombra na parede branca da casa de Menandro. O sol marinho dá nas calhas e nas venezianas. Menandro desce os degraus de pedras soltas, nos galhos do salgueiro vai deixando blusa, calça, sapatos, chapéu, cachimbo.

Elizabeth Opalenik, sem data


Um líquido desejo a entontece



NUA

De madrugada a mulher nua foge do Convento de Sarga rumo à praia Brava. E, como disse o padre Gavallo: “era já tempo dela se molhasse no mar”.

Estranhei, a princípio, a conjugação inexata do verbo “molhasse”.

Um líquido desejo a entontece, um desejo de molhar as ondas com seu corpo liberto do hábito, do crucifixo.