segunda-feira, 6 de maio de 2013

Minha vó Ana (1911-2009)

Clic by Heloísa Espada



AS TARDES VERDES
QUE CICATRIZAM FERIDAS
(Em busca do tempo perdido 1)

Quando nada acontece, há um milagre que não estamos vendo.

Guimarães Rosa


Na ilha de São Francisco do Sul
havia uma nostalgia cheia de sol e de mulheres,
com tardes verdes que cicatrizavam feridas.
Eu bebia todo o conteúdo do frasco de água benta
que minha vó Ana escondia na despensa,
mas nunca me tornei santo.


C. Rugosa, 1898

 
A palavra é uma outra luz, uma concha marinha
que estremece as angras da noite,
a palavra é avenca inscrita numa runa.
Por vezes é o sforzando barroco de uma fonte
que entoa o cântico e pousa no torso do leopardo.
Ei-la, a fonte da palavra,
que reduz tudo ao ponto zero de um dia de chuva.
A palavra é a canoa que paira peixes submersos.
A palavra é um talo de água dentro da pedra
e sagra com salmos de mar o mantra do silêncio.

Arvo Pärt
Spiegel Im Spiegel
(Violin and piano)