
quinta-feira, 17 de janeiro de 2008
BRUMA NUPCIAL
No vendaval iluminado pela água,
águia celebra o modo antigo do quebranto.
Tudo encetei, nada possuí.
Um pouco mais de além eu era
azul de paraíso.
Na minha alma em bruma
tudo se derrama,
menos o fel.
Tudo se derrama:
teus cabelos, olhos castanhos,
silêncio que queima o menino no tombadilho.
Entanto nada foi só ilusão
nessas núpcias adiadas.
Um dia vou te beijar no fundo
para que um de nós vire flor.
O grande sonho despertado ainda espreita:
águia que cura asas no abismo.
No vendaval iluminado pela água,
águia celebra o modo antigo do quebranto.
Tudo encetei, nada possuí.
Um pouco mais de além eu era
azul de paraíso.
Na minha alma em bruma
tudo se derrama,
menos o fel.
Tudo se derrama:
teus cabelos, olhos castanhos,
silêncio que queima o menino no tombadilho.
Entanto nada foi só ilusão
nessas núpcias adiadas.
Um dia vou te beijar no fundo
para que um de nós vire flor.
O grande sonho despertado ainda espreita:
águia que cura asas no abismo.
ARCOS D'ÁGUA
Sabei, ondas de sombra, arcos d'água,
que sou barco em flor, estrela na ribanceira.
A fúria minha, escuro miúra, vem de altos eucaliptos.
A morte minha sonha com ribeiras.
O vento torna curvos os eucaliptos que,
de perfil, são anjos que ardem no campo.
Desconcerta-se o diamante se, de repente,
nos abandona para sempre a seiva da luz.
Arde também o riso pelo campo, onde a morte
sorve das ribeiras a tensão fluvial.
À beira do sonho, como em desvario,
deusas enxaguam cílios na tempestade,
batem bongôs pelas ravinas as deusas:
elas parecem nuvens no céu alto,
lembrai que sois iguais a nuvens,
iguais às deusas que esvoaçam rentes
ao capinzal que ondula.
Sabei, ondas de sombra, arcos d'água,
que sou barco em flor, estrela na ribanceira.
A fúria minha, escuro miúra, vem de altos eucaliptos.
A morte minha sonha com ribeiras.
O vento torna curvos os eucaliptos que,
de perfil, são anjos que ardem no campo.
Desconcerta-se o diamante se, de repente,
nos abandona para sempre a seiva da luz.
Arde também o riso pelo campo, onde a morte
sorve das ribeiras a tensão fluvial.
À beira do sonho, como em desvario,
deusas enxaguam cílios na tempestade,
batem bongôs pelas ravinas as deusas:
elas parecem nuvens no céu alto,
lembrai que sois iguais a nuvens,
iguais às deusas que esvoaçam rentes
ao capinzal que ondula.
ODE
Quem me raptou de minha cama entre flores, águas,
e ao corvo não deu o tom de carícia?
Quem se dissolve nos músculos do cavalo?
Quem me conspira a tornar-me Órion, seda de antúrio,
rio com botos, depois me esquece?
E para quê o esquecimento, se de amor e sonho
nossa respiração alaúde?
Alaúde,
no cascalho,
sob águas claras.
Alaúde,
não o tenho em minhas mãos,
faz sombra no muro.
Quem me raptou de minha cama entre flores, águas,
e ao corvo não deu o tom de carícia?
Quem se dissolve nos músculos do cavalo?
Quem me conspira a tornar-me Órion, seda de antúrio,
rio com botos, depois me esquece?
E para quê o esquecimento, se de amor e sonho
nossa respiração alaúde?
Alaúde,
no cascalho,
sob águas claras.
Alaúde,
não o tenho em minhas mãos,
faz sombra no muro.
SIDERAL
Ô ressurreição, dê água a meus ossos,
me livre da aboiz de achar que eu sei tudo.
Sou bossa de corisco, silêncio de adro,
diamante que não,
que sim.
Ô ressurreição, dê arejos às trevas,
me livre da falta de doçura, do vício
de não escutar as trepadeiras trêmulas no aljibe.
Tudo volta ao silêncio.
Nunca estive entre as folhas da abanga.
Nunca me chamaram de Beechmann.
Ô ressurreição, que o que agora vislumbro
não se perca, não se perca.
E alguma coisa disso tudo seja meu:
o linho da mortalha dos anjos,
a xícara branca,
o sorriso dos Reis,
os passos no desconhecido,
as delícias, os cinamomos,
os vasos cilíndricos de barro,
e mais tudo o que,
por distraído,
esqueci.
Ô ressurreição, dê água a meus ossos,
me livre da aboiz de achar que eu sei tudo.
Sou bossa de corisco, silêncio de adro,
diamante que não,
que sim.
Ô ressurreição, dê arejos às trevas,
me livre da falta de doçura, do vício
de não escutar as trepadeiras trêmulas no aljibe.
Tudo volta ao silêncio.
Nunca estive entre as folhas da abanga.
Nunca me chamaram de Beechmann.
Ô ressurreição, que o que agora vislumbro
não se perca, não se perca.
E alguma coisa disso tudo seja meu:
o linho da mortalha dos anjos,
a xícara branca,
o sorriso dos Reis,
os passos no desconhecido,
as delícias, os cinamomos,
os vasos cilíndricos de barro,
e mais tudo o que,
por distraído,
esqueci.
HARÉM AQUÁTICO
Em mim alma de barro cru e, claro,
eu preferiria residir num harém,
--- harém aquático ---
sem estorvo do areento.
O linho alto das nuvens em queda agora:
águas águas águas.
O coração esquecido no aguaçal.
O fero, em mim, transparente leão branco,
que é manso e silente.
Eu tranqüilo numa das camas do harém aquático,
e, a cada vez que se entreabre a porta azul,
fulge a asa do anjo antiqüíssimo
e o açude de uma Sibila antiga
escuta a pele minha em chamas.
Se abre outra vez a porta azul:
ave-do-paraíso, com sede, me olha.
Em mim alma de barro cru e, claro,
eu preferiria residir num harém,
--- harém aquático ---
sem estorvo do areento.
O linho alto das nuvens em queda agora:
águas águas águas.
O coração esquecido no aguaçal.
O fero, em mim, transparente leão branco,
que é manso e silente.
Eu tranqüilo numa das camas do harém aquático,
e, a cada vez que se entreabre a porta azul,
fulge a asa do anjo antiqüíssimo
e o açude de uma Sibila antiga
escuta a pele minha em chamas.
Se abre outra vez a porta azul:
ave-do-paraíso, com sede, me olha.
A CICLISTA DE BLUSA BRANCA
SUMIU NA ESQUINA
Eu amo o que não tenho
e não tenho a ciclista de blusa branca
que sumiu na esquina.
Então amo a blusa branca, a esquina,
e a ciclista que sumiu.
A ciclista branca odeia a esquina.
O que sumiu sumiu.
A esquina sumiu ao ver a blusa branca.
A ciclista ama o que não ama.
Sabe-se que a ciclista nunca teve bicicleta.
Sempre andou a pé.
Então amo o pé da ciclista.
Amo a esquina que, depois de sumir, reapareceu,
e surra um peixe ou abre um guarda-chuva.
SUMIU NA ESQUINA
Eu amo o que não tenho
e não tenho a ciclista de blusa branca
que sumiu na esquina.
Então amo a blusa branca, a esquina,
e a ciclista que sumiu.
A ciclista branca odeia a esquina.
O que sumiu sumiu.
A esquina sumiu ao ver a blusa branca.
A ciclista ama o que não ama.
Sabe-se que a ciclista nunca teve bicicleta.
Sempre andou a pé.
Então amo o pé da ciclista.
Amo a esquina que, depois de sumir, reapareceu,
e surra um peixe ou abre um guarda-chuva.
RÉQUIEM
Não estamos nunca vivos.
Pra quê a vida? Para enrijecer o coração,
tornando-o pétreo com essa ausência de tudo
o que eram ondas, mulheres, quartetos de Haydn?
Não vivos! Começo a embrutecer o som oblíquo,
a perder de vista os olhos, as linhas de Matisse
nas barbatanas de miúdos peixes vermelhos.
Não vivos! Agora com medo da morte.
A morte nunca foi algo que pudéssemos esquecer.
Não estamos vivos. Nada dorme no céu.
À sombra íntima de mim sais-gusanos,
renegados apelos e caliças, prata dúctil,
parada treva, gaivotas desabadas no vento vivo,
certas esquinas saturadas de amendoeiras.
À sombra íntima de mim fiéis molossos,
ossudos e ferozes, guardam meu sono
para que eu levite com o movimento
de tuas asas para o alto, ó Anjo!
O céu: um sonho antigo.
As pedras, no céu de Rafael Alberti,
inofensivas.
Não estamos nunca vivos.
Pra quê a vida? Para enrijecer o coração,
tornando-o pétreo com essa ausência de tudo
o que eram ondas, mulheres, quartetos de Haydn?
Não vivos! Começo a embrutecer o som oblíquo,
a perder de vista os olhos, as linhas de Matisse
nas barbatanas de miúdos peixes vermelhos.
Não vivos! Agora com medo da morte.
A morte nunca foi algo que pudéssemos esquecer.
Não estamos vivos. Nada dorme no céu.
À sombra íntima de mim sais-gusanos,
renegados apelos e caliças, prata dúctil,
parada treva, gaivotas desabadas no vento vivo,
certas esquinas saturadas de amendoeiras.
À sombra íntima de mim fiéis molossos,
ossudos e ferozes, guardam meu sono
para que eu levite com o movimento
de tuas asas para o alto, ó Anjo!
O céu: um sonho antigo.
As pedras, no céu de Rafael Alberti,
inofensivas.
OS ANTEPASSADOS
O deus Águila é de argila provisória
em nosso coração.
Coração ama mares vindouros com peixes
longamente azuis --- peixes entre ilhas --- coração
ama sacrários onde a voz, óleo primeiro,
consome-se e retorna ignorada, náutica e simples,
a voz vão recitá-la os que rondam outros sóis.
Sóis mais profundos que a restinga de Marambaia.
E na restinga águas parecem lágrimas
por termos morrido todos
-- nós ---
homens de pescoços libélulas
--- nós ---
os que, sendo precários,
éramos somente pétalas na proa
de alguma estrela sumidamente longínqua
O deus Águila é de argila provisória
em nosso coração.
Coração ama mares vindouros com peixes
longamente azuis --- peixes entre ilhas --- coração
ama sacrários onde a voz, óleo primeiro,
consome-se e retorna ignorada, náutica e simples,
a voz vão recitá-la os que rondam outros sóis.
Sóis mais profundos que a restinga de Marambaia.
E na restinga águas parecem lágrimas
por termos morrido todos
-- nós ---
homens de pescoços libélulas
--- nós ---
os que, sendo precários,
éramos somente pétalas na proa
de alguma estrela sumidamente longínqua
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