terça-feira, 16 de setembro de 2008

Lina Faria

POEMA

barco à noitinha:
para que eu durma,
brisa embala ondas.

para que eu acorde,
bando de asas
esvoaça leme do barco.

Edward Weston

sábado, 13 de setembro de 2008

Na solidão seca, sob o efeito do sereníssimo vinho do Porto e coberto com o silêncio aquoso da noite azeviche, o insano S., em êxtase, vocifera seu claro idioma de linho contra tudo o que seja fel e lepra.

S. que, na limpa e sempre enevoada vila de Torre Escura, e no velho sanatório de Santa Chuva, também é conhecido como Schopenhauer. Dizem os místicos que ele foi, em reencarnação passada, na biblioteca de Alexandria, o copista das obras raras do grego Kalicanthus. Considera-se que essa biblioteca tenha sido fundada no início do século 3 a.C.

Na vila de Torre Escura, destinada a ser o menor lugar do mundo, S. também escreveu um ensaio intitulado Hidráulica.

Outro dia a barca de Schopenhauer ancorou, com os velames mais rasgados do que nunca, no cais de pedra. A alma do velho filósofo estava frescamente perfumada pela verbena. Ao redor dele, gatos. Mexessem a cabeça os gatos e as árvores floresceriam todas ao mesmo tempo.

Os mantras que, às vezes, S. pronuncia, colam-se à parede branca e ficam ali, manchas nupciais de música. Diante desse muro branco escalavrado, à sombra dele, Schopenhauer adormece e sonha que está acordado no colo da Sibila – sonha que chove lá fora uma espécie de oiro velho – enquanto ela o acaricia com o ramo do mistério.

E que mistério seria?

Em casa da Francisca, onde S. vai aos domingos, a biblioteca é escura e estreita, com gaiolas de canários e vasos de plantas; algumas estantes de pau preto acondicionam grossos fólios de convento e de foro, e até um anjo pode ser visto que observa, pela janela escancarada, o laranjal.

Sob a imensa curva do céu, nesse primeiro dia do mundo – origo et fons – eu, Schopenhauer – passo os dedos pelos volumes da História genealógica, mas me detenho horas no Vocabulário, do muezim turco Sitar al-Camaã, depois rabisco numa das páginas desse livro o copo cheio de gérberas negras.

Aí, quando acordei, flagrei que os olhos límpidos e marinhos da sibila Lythia pulavam o muro.

Por vezes, o óbvio está errado e o insólito é verdadeiro.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Thomas Kellner, 2006

OS OLHOS DO ADORMECIDO

Esfinge ao sol, enquanto durmo.
Se eu acordasse agora, então o quê?
Um olho aberto, outro fechado,
a esfinge sonha com meus olhos.

Meus olhos nessa luminância
dos olhos da esfinge de cal.
Meus olhos são alísios, alívios
nos olhos da esfinge no pátio.

Esfinge apagando altas estrelas,
que depois meus olhos reacendem.
E por que esfinge, por que olhos?

Seria mais simples não haver vida
– nenhuma palavra –
seria mais simples não morrer.
Calendário Anon:
todas as photos
dessa exposição abaixo
foram feitas
no Anno de 1905.

Janeiro

Fevereiro

Março

Abril

Maio

Junho

Julho

Agosto

Setembro

Outubro

Novembro

Dezembro

segunda-feira, 8 de setembro de 2008


Há uma luz que brilha mais do que bilhões de sóis juntos. É a essência da alma. Essa é a luz que mora no coração.

Shânkara (788-820)

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Greta Garbo (1905-1990)


Ver cenas raríssimas
de Greta Garbo sorrindo
nos bastidores
de um teste de filmagem.

http://www.youtube.com/watch?v=N6jJKFGVFOU&feature=related

Baron Raimund von Stillfried, 1880


Sob a palmeira Lucana escreve uma carta a K.: “Em minha Casa de Água, meu caro K., eu penduro a chinesa de cabeça para baixo. Sempre que a torço, dela vaza água. Penduro a chinesa de cabeça para baixo.

Eu que mordo conchas tão finas.

A chinesa, de cabeça para baixo, morde conchas comigo. A brisa esvoaça a frágil chinesa, que não entontece, mesmo de cabeça para baixo. Eu nem diria que ela respira. Eu nem diria que ela é morta. A toalha secando ao vento estival: a efígie da chinesa na toalha de banho”.

Joel-Peter Witkin


Ver peixe
com face humana.

http://www.youtube.com/watch?v=gTVwgvqhwn8&NR=1
7 artistas plásticos
da Galeria Saatchi

Nurit Ward


DovDroval


Dima Khrushch


David Bookbinder


Anna S. M. Higgie


Alexey Miro


Joke Proper


quinta-feira, 4 de setembro de 2008


Ver a Mulher-Cristo
de calcinha
e crucificada,
do ousado e polêmico
Dominic Rouse.

http://www.youtube.com/watch?v=MeYA7GKot3U

Paula Mota, 2008


Colagem digital
No site
Escritoras Suicidas,
eu,
Fernando José Karl,
me chamo Shânkara Lis.

http://www.escritorassuicidas.com.br/

Klavdij Sluban


Ler a novela
A senhora do gelo,
de Fernando José Karl,
autor desse blog.

http://www.germinaliteratura.com.br/booksonline_karl1.htm

Maggie Taylor


AS JARRAS DE CIBELE CAMBUCI

Cibele Cambuci nunca fica de costas para as jarras cheias d’água na sala e, à mesa, talheres, prato, copo e o salmão grelhado. Ao canto da longa mesa, espiando o céu pela vidraça, Cibele Cambuci escuta o silêncio da sempre enevoada Villa Camboriú, atenta ao que nas coisas está sempre escutando!

Ainda lembro dela arrancar das jarras o vidro, contudo, sem vidro, não há jarras. Ela paira nessa sala de jantar e lê as Breves memórias de Alexandros Apollonios. As orações que Cibele Cambuci faz purificam as árvores lá fora. O amor é um menino em chamas no tombadilho, é a pata esmagada do cão por um trem, sobretudo, o amor conduz à elegância e faz com que toda seriedade fúnebre suma na curva da açucena ou toque um noturno na flauta de sua própria coluna vertebral.

Nessa manhã antiga, à sombra de árvores seculares, e também à sombra das jeunes filles proustianas, eu, definitivamente, decidi que não posso andar por aí com as jarras cheias d’água de Cibele Cambuci, mas posso consentir que alguém queira escutar o silêncio que Cibele Cambuci escuta.

Se aqui eu estivesse com as jarras, uma em cada ombro, o máximo cuidado teria para que não caíssem, as jarras, nas pedras. Sejamos reverentes à verdade sóbria e pura: nenhum de nós nunca chegou a existir para que houvesse alguma possibilidade de paraíso após o último suspiro.

Tão absolutas as jarras cheias d’água de Cibele Cambuci. E tão maciçamente seca e pétrea a caveira. Tão jarras d’água as jarras de Cibele Cambuci. Só com elas Cibele Cambuci pode ver a estrela.

Imersa no vento, onde respira, Cibele Cambuci aprende que a vida é vã como a sombra que passa, e que as jarras são jarras, mais que sombras, porque jarras fazem sombra e nunca sombras fazem jarras.

Anon, 1910


Martinus
MARTINUS

Hoje, Martinus, você disse à mesa que, se contraísse novas núpcias, iria talhar a mulher na pedra para não ter dúvidas da obediência dela.

Martinus, os moradores de tua cidade me chamam de Senhora mestra, não porque te obedeço, mas porque os curo.

O único bem que conservaste, Martinus, foi a mansão senhorial com o pátio da criadagem reduzido ao mínimo. E armaram-se as redes de bardana para agüentar o calor nas alcovas desmanteladas.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Joy Goldkind, 2000



O açougueiro Werther
O AÇOUGUE DE WERTHER

A primeira vez que entrei naquele estabelecimento – mais conhecido como Açougue de Werther – percebi mesmo algo diferente. Eu solicitei 1 quilo de carne e ele olhou furtivamente para uma edificação logo em frente: o Orfanato das Meninas de Santa Teresa de Ávila.

Na calada do sereno, entre um gole e outro de conhaque, Werther afia faca de matar porco.

Duas horas da madrugada, Werther salta o muro do orfanato.

As meninas dormem, dormem profundamente.

terça-feira, 2 de setembro de 2008


Cibele, a bárbara.
Ver o blog
Resmungos e Redemoinhos,
de Cibele Cambuci.

http://resmungoseredemoinhos.blogspot.com/