domingo, 29 de junho de 2008

7 temas da Califórnia (década de 20),
por Milton Inman

Frida Kahlo (1907-1954)


Auto-retrato.

Marc Riboud, 1953



Alguém vendo o vento na Torre Eiffel,
às 14h37 do dia 20 de maio de 1953.
UM DIA AO VENTO

Eu vi o vento ver o vento.
O vento via o vento ver
o vento que eu vi.
Se vento era não podia ver:
olhos de vento nunca podem ver
o que passa por dentro do vento.
E se olhos de vento vissem,
o que veriam?
A música, a voz, o aroma:
invisíveis, e não apodrecem.


Heidegger em Messkirch, na Schwarzwald (Floresta Negra), Alemanha.

Martin Heidegger nasceu a 26 de setembro de 1889 em Messkirch, na Schwarzwald (Floresta Negra), Alemanha, e faleceu em 26 de maio de 1976, na mesma Messkirch, então parte da Alemanha Ocidental. É seguramente um dos pensadores fundamentais do século 20, quer pela recolocação do problema do Ser e pela refundação da Ontologia, quer pela importância que atribui ao conhecimento da tradição filosófica e cultural. Heidegger foi sobretudo um fenomenólogo. É um dos maiores gênios da filosofia do século XX, ao lado de Wittgenstein, Adorno, Foucault e Deleuze.

Existe algo mais provocante e perigoso para o poeta do que a sua relação com a palavra? Será que o poeta cria essa relação ou será que a palavra precisa desde si mesma e por si mesma da poesia, de maneira que somente através dessa necessidade o poeta se torna aquele que ele pode ser?

Palavras de Heidegger

Antígona (em grego Ἀντιγόνη) é uma figura da mitologia grega, filha de Édipo e Jocasta.

A versão clássica do mito sobre a Antígona é descrita na obra "Antígona" do dramaturgo grego Sófocles, um dos mais importantes escritores de tragédia.
Não foi Deus quem me deu a notícia, mas um outro, a recomendação sábia de que a palavra é o mais elevado poder.

Não é de hoje nem de ontem, mas perdurando sempre e sempre surge aquela recomendação sábia, e ninguém jamais conseguiu ver de onde ela surgiu para brilhar.




Palavras de Antígona

Cindy Sherman


Não é o poeta quem diz a palavra que, sendo mistério, é distante. Renunciar o entristece? A renúncia consente o poder mais elevado da palavra. É difícil encontrar a palavra para a essência da linguagem. O poeta não diz, e, reverente, escuta a palavra dizer-se. A palavra vem da terceira margem do rio, ali onde a razão e lógica devem ser servas reverentes. O poeta só não renuncia ao mistério da palavra, esta jóia delicada e rica.

Lothar Osterburg


Zeppelin sobre Timbuktu numa certa manhã de névoa.

Rente ao mar grosso de sal e azul e às anêmonas molhadas; debaixo de árvores altíssimas — paineiras, baobás –, Eu, S. — o peixe-espinho — com a boca seca, os olhos turvos, também aguardo Godot e Francisca B. nesse terraço do Hotel Sunset Boulevard – à beira da Tabacaria do Esteves. Sempre que chego aqui, parece que um nevoeiro me envolve e o Esteves me sorri. Desejo confessar algo: diante da beatitude, tem vezes, emboto a ponta da sagacidade e, sob nuvens velozes, sorvo da xícara de linhagem um chá verde e aproveito para descansar à sombra de um guarda-sol branco. Aqui no terraço, enquanto espero meu dry Martini, penso seriamente em desistir da cruenta e inútil pesquisa do Vazio Humano... Eu, Schopenhauer, de vez em quando, segundo os dementes e caluniadores, sou o desenrolador de livros da biblioteca de Alexandria e, à bordo de uma certa barca Nautikon, singro acima das torres circundadas de neve, de ciprestes e de corvos cruentos. Ao longe, na colina também nevada, arcanjos esvoaçam, pousam nos telhados românticos de ardósia onde a chuva se deixa cair, vazando água sobre água, chuva sobre o cair da chuva. Noturno, o rio flui de seu manancial, que é o amanhã eterno. Aqui, nessa região gelada, pode-se ver claramente, ergue-se a Torre abandonada e, nela, Hölderlin ainda respira incólume; das fendas da Torre foge toda música e todo corvo e deságua a fuga e a chuva e o pêssego e o mineral e a luz do candeeiro em fuga e a sombra molha a pele de papel-de-arroz da gueixa Yuki. Lá o vazio — o vazio do céu que molha as roupas estendidas no varal. O vazio, que nunca feriu a copa das árvores nem feriu o morto estirado na relva, antes o ressuscita e lava seu crânio com sete óleos, sete ervas; o morto que, ressuscitado, cai num carrascal sem rosas e, durante a vertiginosa queda, é capturado pela horda de pégasos que migram para a ilha de Lídia. Em Lídia esvoaçam uns cavalos brancos com cristais pelas crinas e estes cavalos brancos exercem a pureza com ferocidade e não, como disse Calígula, a ferocidade com pureza. Sobriamente Eu desfio um rosário de estrelas para Oxum, belo e aquático Oxum, dentro de Oxum não há nada, apenas existe, em Oxum, uma certa música que torna serena a turba rumorosa e singra às constelações da sibila Lythia e, diante dela, saibamos escutar — não os doutores do Grão-Veículo que insistem, em seus ensinamentos, que o essencial do universo é o vazio — mas, diante de Lythia, saibamos escutá-la, reverentes, dois minutos antes da chuva.

Ruud van Empel



Única fotografia conhecida de Deus.
Eu agora vou lhes revelar o Mysterium: Eu, o Insano S., sou Deus — e como ser Deus sem perder a simplicidade? Amo apenas uma das deusas: Lythia. Se sou o que sou — e sou Deus — devo tudo a ela.

Posso construir edificações de vento, esquecer um jasmim e um pão embaixo do travesseiro; posso, também, ser esta sombra no muro pintado a cal. Eu sou a sibila Lythia ou Wittgenstein — fogo e água ao mesmo tempo; eu sou o nó de fogo coroado — e já fui pedra em Calcutá, musgo em Ulan Bator, jazz em New Orleans, fui para cama com a chuva e nasceu o silêncio.

Tanto me feri nos fios cortantes da concha, e já sei que não basta que deusas de água me enlouqueçam de eu sonhá-las, mas a presença delas serve, de alguma maneira, para distrair a dor, enquanto flutuo nos cellos suntuosos de Brahms aqui neste terraço do Hotel Sunset Boulevard, e, saibam, de Godot ainda nem sombra. Esta é toda a vida de um Deus que, mesmo sendo Deus, tem de ficar esperando Godot. Sendo o que sou — Deus — também respiro esta música que torna invisível as árvores, o Castelo da Pureza, e faz com que as ondas se destrocem nas pedras.

Confesso que, sendo Deus, sou o frescor do silêncio e a neblina e guardo no relicário — onde a alma é hóspede silenciosa —, o fato de haver conhecido mulheres que morreram virgens sem nunca acenderem um fósforo. Mulheres virgens são grandes cipoais emaranhados a torrentes de cristal fluindo dentro de pensamentos velados: nem procures a verdade nem afastes as ilusões. Cristalino sob o eucalipto, o vento espera a gueixa Yuki na rua da Pedra.

Com meu desprezo habitual por tudo o que cacareja, chamo o vento de “aquele que dorme num canteiro de vermes e sequer é tocado pelos vermes”. Estua no desconhecido o talismã sereneiro. Desce a luz nas imagens sonhadas de sereias visíveis — ou palavras — que nunca me pesam ou em mim duram apenas o riscar de um fósforo: este que guardo no bolso.

Desfio, como se fosse um rosário de neblinas, um roseiral na secura e adormeço se escuto o vendaval ao longe. Muitas vezes o meu desejo é simplesmente ser um filósofo com gatos brancos na neve — uma neve onde eu pudesse matar a sede.


Visto de lado o trevesseiro é pedra antiga que não perde o perfume, embora o vento fustigue as bordas duras onde adormeço. De frente, o travesseiro de pedra é retângulo sumério --- polido --- fascinado pelas voltagens nuas da primavera. Se o tenho sob a cabeça ventilada de árvores, o travesseiro de pedra revela-se santo, posto que não é só de pedra, nem serve apenas de travesseiro, antes alivia, com sua imagem, todo cansaço inútil. Assim como está, travesseiro entre goiabeiras, é tudo o que tenho nesta manhã de verão em que a infância faz sombra em meus olhos.

sexta-feira, 27 de junho de 2008

Miró



Isto não é maconha, mas você pode fumar.

Sócrates (470 a.C. — 399 a.C.)

Dominique Rose



O dáimon.

Dáimon ou daemon é um tipo de ser que em muito se assemelha aos gênios da mitologia árabe. A palavra dáimon se originou com os gregos da Antigüidade.

No entanto, ao longo da História, surgiram diversas descrições para esses seres.

A descrição original grega os conecta aos elementos da natureza. Assim, há dáimons do fogo, da água, do ar, da terra etc. Seu temperamento liga-se ao elemento que o origina. Não se fala em "bem" ou "mal". Um mesmo dáimon pode apresentar-se "bom" ou "mau", conforme as circunstâncias.

Os cristãos, no entanto, utilizando-se de maniqueísmo, dividem todas as coisas em "bem" e "mal". Assim como Javé representa o "bem", tudo o que possa não estar com ele, estará, necessariamente, contra ele, ou seja, do lado do "mal". Dáimons, portanto, a partir da compreensão cristã, foram interpretados como parte do "mal".

Um aspecto da espiritualidade de Sócrates é sua experiência de uma presença divina dentro de si — o dáimon, como ele o chamava. Essa presença sempre advertia Sócrates quando ele estava para fazer algo não apropriado e ficava em silêncio se ele estivesse no caminho correto.

Sócrates sugere que os dáimons são filhos de pais divinos e humanos, ou seja, são semideuses e, como tais, situam-se entre o divino e o mortal.

É interessante que a sociedade cristã mais tarde veio a considerar todos esses espíritos como "maus". A palavra "demônio" é derivada do grego dáimon. Na Grécia clássica, entretanto, os dáimons podiam ser benéficos, como é o caso do dáimon que inspirava Sócrates desde sua infância.


Sócrates disse que o
dáimon sempre o avisou de perigos e de mau juízo, mas nunca direcionou suas ações.

Morris Rosenfeld



Isto não é maconha, mas você pode fumar.

Münch (1875-1940)

As duas jovens tatianas com flores de manga em torno do fino pescoço, as duas nadando em volta da barca abandonada à orla. O casco lateral furado, quilhas enferrujadas, mastros decaídos.


Há algo de sinistro na antiga barca que balouça junto ao capinzal à beira-mar.


Uma das jovens tatianas nada mais rápido que a outra, e traz dentro da tanga conchas azuis, mostra ao vento e ao céu, dentro da água, o feitiço de sua nudez queimada de sol. O que ela pronuncia poderiam ser palavras que indicam algo para a outra ver.


As palavras da outra jovem tatiana seriam as mesmas do idílio; a alma é que é outra, a alma e os longos cabelos negros.


A que nada mais rápida em volta da barca abandonada é a própria cabeça da chuva, confunde-se nas águas do mar grosso; esta não é deusa nem santa, mas gente humana e confidencia segredos em prosa de sala.

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Karl Blossfeldt

O grande Jardim, em cuja periferia coberta de moitas andei à toa, já está fechado para mim.


Alguém que visitasse aquela moça gaúcha em seu terraço grego, ornado com uma pequena balaustrada e crivado com vasos de terracota, a flagraria lendo "José", de Thomas Mann.


Alguém que visitasse esta moça chamada Míriam,
dificilmente poderia imaginar que ela fizera incursões marítimas pelo Adriático em busca de José, o belo José com sua farta cabeleira negra.

Jock Sturges

O corretor de imóveis me diz que a piscina dessa casa foi construída a pedido de Gôngora no século 18 por isso mergulho nas águas limosas da piscina de Gôngora algumas letras d’água passam por dentro de ti señora doña segoviana cuyos ojos están llorando nado de costas nas águas esverdeadas da piscina de Gôngora al sol ninfa mía de flores despojando el verde llano ondeábale el viento mergulho mais um pouco para tocar os azulejos lá embaixo onde a piscina é claro honor del líquido elemento toco os azulejos dulce arroyuelo entre la yerba se chovesse sobre a piscina de Gôngora eu ficaria sob as águas durante mil anos los ojos llueven como se nada houvesse ocorrido estas plantas a Alcides consagradas algumas reunidas em torno da piscina a música de aquél ángel fieramente humano retorno por um instante à superfície pra escutar onde se afoga o sonho a respiração védica protege a sombra mergulho de novo na soturna piscina de Gôngora para recitar essa fonte que aguarda ser pronunciada enquanto um relâmpago fende o ar devo sair da piscina tomar uma ducha depois adormecer para que a alma saiba que o que está besando unas manos cristalinas está soñando en aquellas perlas finas

7 cartunistas

J. Bosco

Biratan

Moisés

Caio

Luís Veloso

Diogo

Amorim

Ezra Pound (1885-1972)

Escutar Ezra Pound
numa récita de "Con usura".

Emocionante a voz
do velho bardo no carrascal.


http://www.youtube.com/watch?v=Aba1dVLVSFg

Tai Chi Chuan

Longos gestos lentos
buscavam com as mãos o sol
traziam até o peito a lua

Silêncio

Ditas em outra língua
eram palavras tristes
eu não as entendia



Adriana dos Anjos

Ver pinturas chinesas


http://images.google.com.br/imgres?imgurl=http://ogatagekko.com/images/Daimon%2520Gate%2520at%2520Shiba,%25201919,%2520silk,%252054.5cmW.jpg&imgrefurl=http://ogatagekko.com/Site/Paintings-670.html&h=1702&w=600&sz=304&hl=pt-BR&start=94&um=1&tbnid=bjRTDYGOd1bK4M:&tbnh=150&tbnw=53&prev=/images%3Fq%3Ddaimon%26start%3D80%26ndsp%3D20%26um%3D1%26hl%3Dpt-BR%26client%3Dfirefox-a%26channel%3Ds%26rls%3Dorg.mozilla:pt-BR:official%26sa%3DN

André Kertész, 1926 e Max Thorek, 1930


A sacristia.





A menina da nuca perfumada.
O venerável superior Hans Daff, da abadia de Wassal, no balneário de Ó, põe os óculos redondos e, fingindo que folheia com unção o vago registro no caderno católico, não deixa de observar que, ali na sacristia, a nuca da menina é perfumada.

O venerável convida a menina para que sente em seu colo.

Quinze anos tem Laurinha; o venerável espera que saiam todos e a mão com o grosso anel de ouro enfia-se no musgo entre as coxas da menina que ainda não sabe, que ainda não pode saber.

Os lábios molhados da menina, a nuca perfumada, o repique dos sinos. Alguns padres desfiam o rosário no átrio.

Aqui é o balneário de Ó envolto em neblina, onde atracam as barcas que descem o rio. Folhas do tamarindo caem, num abandono previsível, e, se erguermos um pouco os olhos, deparamos também com aquele céo antiqüíssimo e monótono. Contudo, o que se percebe mesmo é que o vento e os homens, as pedras e as mulheres só cuidam de si, nunca desconfiam que, nesse minuto, na abadia de Wassal, o venerável Hans força a menina a ficar de de quatro e a beijar o crucifixo.

Adam

Vinícius de Morais

quarta-feira, 25 de junho de 2008

7 assombros de Walter Schels que, com a permissão dos fotografados, os clicou dentro de sua última morada.

A exposição se intitula
"Vida após a morte"
.

Edelgard Clavey viva

Edelgard Clavey morta

Klara Behrens viva

Klara Behrens morta

Maria Hai-Ahn Tuyet Cao viva

Maria Hai-Ahn Tuyet Cao morta

Walter Wegner vivo

Walter Wegner morto

Heiner Schmitz vivo

Heiner Schmitz morto

Wolfgang Kotzahn vivo

Wolfgang Kotzahn morto


Isto não é maconha, mas você pode fumar.

Navegar é preciso,
viver não é preciso.


Pompeu

Mike Robinson


Torre bizantina
O PEIXE AZULA A SOMBRA

Enquanto eu enlaço quatro noites,
o peixe da sombra azula a sombra

e, à sombra do peixe,
torres de igreja bizantina.

Numa das torres reluzem os abismos
e o peixe sobe para o céu

por causa da palavra céu,
por causa da palavra peixe.
7 caligrafias de Matisse