Nasci em Joinville/SC no ano de 1961. Sou autor, entre outros livros, de "Casa de água" (Poesia), "O livro perdido de Baroque Marina" (Romance) e "Senhora do gelo" (Novela).
MEDITAÇÃO DO CALIFA OMAR SOBRE ALEXANDRIA (640 d.C.)
Para Cibele Cambuci, a bárbara.
Com seu periscópio de concha o califa Omar perscruta a baía de las Gavenas, em Alexandria. O caminho do poeta não é o do silêncio, mas o da luxúria.
As ondas nunca ociosas na baía de las Gavenas.
O califa Omar, nesse ano de 640 d.C., escreve numa das paredes do Palácio Real que o princípio de toda poesia é suprimir masmorras, leis da razão: na pedra gasta infiltrar a phantasia: e nos conduzir ao caos originário.
Logo se espalha um suave vento e as cortinas começam a dançar. A serenidade de um verso latino. Na casa de Menandro angst morre nas pedras. Eu escuto orvalho no olho do peixe que paira o aquário da casa antiga, casa antiga que os vendavais circundam. Uma ramagem de sutis idílios faz sombra na parede branca da casa de Menandro. O sol marinho dá nas calhas e nas venezianas. Menandro desce os degraus de pedras soltas, nos galhos do salgueiro vai deixando blusa, calça, sapatos, chapéu, cachimbo.
Aqui a língua do salmão aqui as cinzas do Espírito aqui a nuvem equilibra o líquen aqui a enciclopédia do cíclope aqui o caqui ao lado do cabúqui aqui a linha do trem é invisível aqui o mar é de lençóis aqui o açúcar não se molha no chuveiro aqui a sombra de Johann Sebastian Bach aqui o adágio atravessa o muro
Aqui o relógio de Anton Saupp aqui os lençóis molhados de mar aqui a enciclopédia do salmão aqui a ilegível nuvem e o coqueiro aqui o líquen na língua aqui as cinzas de Picasso aqui o piscar do Espírito aqui o cabúqui enquanto durmo aqui uma linha de Hokusai na praia branca aqui o adágio atravessa o muro
Enxagüe os sonhos de ouro: proteja os anjos dentro.
Santa Clara de Assis (1193-1253)
DO LIVRO DE HORAS DE SÓROR DOLOROSA SANTA CLARA DE ASSIS
Eu não cultivo pássaros azulados em gaiolas de ouro: rebebo, sim, o encharcar dos brejos, aí se me acordo, suspendo uma folhagem. Sob o chuvoso arco do mosteiro se deu o que se deu --- o isto é! --- avanço pela escadaria de pedra para espiar parada, imersa na luz, Santa Clara de Assis. Eu respiro o sono tempestuoso das lianas durante o vendaval: eu sou o ferrão escuro do escorpião eu sou a cantaria barroca e o sino: queimo com as palavras ferro e brasa a pele translúcida dos anjos.
Às águas da piscina de Caracalla levo a alma, --- na piscina nadam cinco Danaides ---, levo a sede às cacimbas. Com pureza entro na barca do pensamento; agora sei que as Danaides é que arejam a língua da piscina. Há dentro de mim uma água que não existe. Há uma fonte além do vento e da morte: nela água é humilde. A cisterna que a contém recende a um acorde de pólen. A música é haste de gramínea entre os cabelos das Danaides. Esqueci minha língua de piscina no tímpano de uma delas --- a com o leque.
Desenho de Fernando José Karl
Ler a novela A senhora do Gelo, de Fernando José Karl.