domingo, 15 de junho de 2008

Ver Greta Garbo
em cenas raríssimas


http://www.youtube.com/watch?v=6q0P07Su4H0&feature=related

Benjamin J. Falk, 1888


O dândi húngaro Anton Seidl, que inspirou Samuel Beckett a escrever o personagem Godot, da peça "Esperando Godot".

Eu agora vou lhes revelar o Mysterium: Eu, o Insano S., sou Deus — e como ser Deus sem perder a simplicidade? Amo apenas uma das deusas: Lythia. Se sou o que sou — e sou Deus — devo tudo a ela.

Posso construir edificações de vento, esquecer um jasmim e um pão embaixo do travesseiro; posso, também, ser esta sombra no muro pintado a cal. Eu sou a sibila Lythia ou Wittgenstein — fogo e água ao mesmo tempo; eu sou o nó de fogo coroado — e já fui pedra em Calcutá, musgo em Ulan Bator, jazz em New Orleans, fui para cama com a chuva e nasceu o silêncio.

Tanto me feri nos fios cortantes da concha, e já sei que não basta que deusas de água me enlouqueçam de eu sonhá-las, mas a presença delas serve, de alguma maneira, para distrair a dor, enquanto flutuo nos cellos suntuosos de Brahms aqui neste terraço do Hotel Sunset Boulevard, e, saibam, de Godot ainda nem sombra. Esta é toda a vida de um Deus que, mesmo sendo Deus, tem de ficar esperando Godot. Sendo o que sou — Deus — também respiro esta música que torna invisível as árvores, o Castelo da Pureza, e faz com que as ondas se destrocem nas pedras.

Confesso que, sendo Deus, sou o frescor do silêncio e a neblina e guardo no relicário — onde a alma é hóspede silenciosa —, o fato de haver conhecido mulheres que morreram virgens sem nunca acenderem um fósforo. Mulheres virgens são grandes cipoais emaranhados a torrentes de cristal fluindo dentro de pensamentos velados: nem procures a verdade nem afastes as ilusões. Cristalino sob o eucalipto, o vento espera a gueixa Yuki na rua da Pedra.

Com meu desprezo habitual por tudo o que cacareja, chamo o vento de “aquele que dorme num canteiro de vermes e sequer é tocado pelos vermes”. Estua no desconhecido o talismã sereneiro. Desce a luz nas imagens sonhadas de sereias visíveis — ou palavras — que nunca me pesam ou em mim duram apenas o riscar de um fósforo: este que guardo no bolso.

Desfio, como se fosse um rosário de neblinas, um roseiral na secura e adormeço se escuto o vendaval ao longe. Muitas vezes o meu desejo é simplesmente ser um filósofo com gatos brancos na neve — uma neve onde eu pudesse matar a sede.


Vista de lado é pedra antiga que não perde o perfume, embora o vento fustigue as bordas duras onde adormeço. De frente, o travesseiro de pedra é retângulo sumério --- polido --- fascinado pelas voltagens nuas da primavera. Se o tenho sob a cabeça ventilada de árvores, o travesseiro de pedra revela-se santo, posto que não é só de pedra, nem serve apenas de travesseiro, antes alivia, com sua imagem, todo cansaço inútil. Assim como está, travesseiro entre goiabeiras, é tudo o que tenho nesta manhã de verão em que a infância faz sombra em meus olhos.