
quinta-feira, 14 de agosto de 2008
Nunca mais me esqueço da sombra silenciosa que marca o piso de pedra da pequena igreja do Carmo. Ali, diante do oratório, rasgo e devoro algas de Bíblia. Solidão é rito e, se venta lá fora, na pia baptismal uma folha seca. Aqui acordo, em meio ao sonho que é essa pequena igreja; acordo para a lucidez de que estou sonhando e, se não sonhar --- sucumbo --- igual onda que se extingüe ou fina linha de lápis que se apaga. Anoto no cahier: “Quem anda nas águas, envolto em névoa antiga, nada quer da cruz. O lado oceânico da cruz, existe? Ou existe só essa avena perfumada de altura?”. A presença quase física da imagem do deus Orum, nessa pequena igreja cristã, faz uma sombra perfumada nas paredes brancas, e é para este deus que escrevi, nas algas da Bíblia, um oriki:
QUANTO MAIS PRÓXIMA A LÍNGUA
DA ORIGEM DA CHUVA,
MENOS FEL E GRAMÁTICA
O acaso espreita da folha em branco.
Toda sede do céu é de abismo
e vivace sorvo, touro de mar caço à unha:
oro a Orum, peço que a neve nô
caia
nas árvores vergadas pela névoa.
O pensamento quer matar a sede
no oriki da chuva.
Quanto mais perto da música de câmara,
mais a língua venta um acorde que amanhece
esse virgem verso,
esse rosário de buirás,
esse kami
na imensa altura do vento
A BANHISTA E O RINOCERONTE
“Uma névoa rósea e palpitante de ninfas--- nereidas, dríadas, oréadas, napéias coleantes,oceânides melodiosas”. (Júlio Dantas)
Banhista. Pessoa que se banha em mar, rio, piscina etc. Pessoa que se submete a banhos medicinais. (Dicionário Aurélio)
Rinoceronte. Do latino clássico rhinoceros, otis). Mamífero ungulado, perissodáctilo, ceratomorfo, rinocerotídeo, maciço, pesado, de cabeça muito alongada, com 1 ou 2 chifres, situados, neste caso, um após o outro. Cauda curta, os quatro pés com 3 dedos de cascos separados, boca pequena e lábio superior alongado. Atualmente existem 4 gêneros, com cinco espécies: a indiana, com 1 chifre (Rhinoceros unicornis), a javânica (R. sondaicus), a de Sumatra (Dicerorhinus sumatrensis) e duas africanas (Diceros bicornis e Ceratotherium simun). (Dicionário Aurélio)
“Eu sei que a banhista não existe, mas entre duas ondas do mar a banhista mergulha e a respiração dela – napéia coleante – se a imagino, existe junto do pomar e do rinoceronte. O sono íntimo da talássica nereida me doura. Rente a um muro de Cnossos, as duas ondas do mar nunca secam, ressuscitam molhadas no sonho da banhista. Ossos do rinoceronte secam, não ressuscitam nunca mais, como nunca mais ressuscitam o fel e o urinol. Assim os arcanjos nunca extraviam suas blusas d’água e a banhista – oceânide melodiosa, napéia coleante – respira agora na Casa da névoa”.