quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Man Ray, sem data

O primeiro nascimento é orvalho.
O segundo nascimento é a palavra orvalho.

Lezama Lima

Ver 7 flagrantes de Praga
(capital da Tchecoslováquia),
clicados por Stanko Abadžic.

Sem palavras



Ânfora grega

A RESPOSTA DE JEAN COCTEAU

À pergunta: --- Se na sua casa pegasse fogo, o que você salvaria? Jean Cocteau respondeu: --- O fogo!


Salvação, em hebraico, significa "respirar à vontade".

Há essa ânfora que carrego, ânfora distraída no precipício.

Ao atravessar esta porta, ânfora lavada:
só o sonho poderia levá-la ao Santo dos Santos.


Pedra escrita.
NOÇÕES DE GRAMÁTICA
(Origo et fons)

Essa frase tem contém dois verbos.
Essa frase tem repolho seis palavras.
Essa não é uma completa.
Essa também.

Issa (1763-1827)
A DEFORMAÇÃO ORGANIZADA
DA LÍNGUA COMUM
PELA LÍNGUA POÉTICA

Um riacho de serpentes no cérebro,
um vaso de porcelana com verbenas.
O estranhamento se há cascalho:
aqui as palavras têm plantas.

Fisgo do cristal o inaudível,
alago a música da mente e,
à sombra do salmão ciumento, me recolho.
Imagino que sou neblina de Issa,

neblina vivificante, isca sou
de instrumentos arcaicos que crescem
em plantações protegidas por cercas de bambu:

tarolas, ravanastrões, sambucas,
arquialaúdes, tchés, turlurettes,
magrephas, pandoras, hidraules.

Andrej Glusgold, sem data

GODOT CHEGOU AO HOTEL SUNSET BOULEVARD
E NÃO ENCONTROU NINGUÉM

Vim a este Hotel Sunset Boulevard, rente ao mar grosso de sal e azul, porque me contaram que aqui estavam me esperando Schopenhauer e Francisca B. Não os encontrei. Não faz mal. Ficarei espiando o mar tranqüilo assim e o visível corpo n’água.

Mar em que nos abandonamos e que cresce em nós com as tormentas, continuará a ser água salgada em desalinho constante e os limites deste mar, fixados em alguma idéia, se confundem com a altura do céu que é claro sem nunca ter pensado: este céu é suficientemente despovoado de anjos e beatas virgens, de tal modo que resta sempre novo céu que podemos exaurir e dele arrancarmos as finas cordas da chuva, as chuvas de que é capaz o espírito.

E acontece que, para o espírito, as nossas presentes chuvas, sem consideração moral, são mais molhadas. Aquele que construiu em si a obrigação de molhar os dedos na pia de água benta, sabe que nunca deixará de faltar matéria e realidade à água benta e só terá necessidade de recorrer a ela se, vazio, e para iludir o escuro em si mesmo, tocar a suposta santidade da água que, ali na pia, é água apenas, e isso é tudo para essa água que, sem pia nem beatitude, continua ali e logo evapora. Mas chega de filosofia.

Não vou esperar mais. Daqui posso ver a Tabacaria. Talvez o Esteves saiba onde Schopenhauer — o peixe espinho — e Francisca B. estejam.

Matisse (1869-1954)

A MORTE NÃO TEM ESPAÇO
NA ESCULTURA DO PEIXE

Nem a morte pode vencer
o peixe

porque este parece transcendê-la

Jennifer Schlesinger, 2005

O branco
o branco do olho
o branco do olho na penumbra

é
a
mais
bela
noite
de

luar

Diana Bloomfield, 2007

Ô ressurreição, dê água a meus ossos, me livre da aboiz de achar que eu sei tudo. Sou bossa de corisco, silêncio de adro, diamante que não, que sim. Ô ressurreição, dê arejos às trevas, me livre da falta de doçura, do vício de não escutar as trepadeiras trêmulas no aljibe. Tudo volta ao silêncio. Nunca estive entre as folhas da abanga. Nunca me chamaram de Beechmann. Ô ressurreição, que o que agora vislumbro não se perca, não se perca. E alguma coisa disso tudo seja meu: o linho da mortalha dos anjos, a xícara branca, o sorriso dos Reis, os passos no desconhecido, as delícias, os cinamomos, os vasos cilíndricos de barro, e mais tudo o que, por distraído, esqueci.

Theda Bara (1890-1955)

LIMERICK,

de Edward Lear


Uma guria da Hungria
Fodia com uma enguia.
Por que o capricho
De enfiar esse bicho?
"É maior que uma pica; mas fria!".



Tradução
: Luiz Roberto Guedes