segunda-feira, 7 de janeiro de 2008


O SOL ESCURO

O homem do calabouço passeia sob o sol escuro:
--- Se o sol é a sombra de Buddha,
quem é Buddha, então?

Buddha vaticina:
--- Hoje mesmo os teus olhos iluminarão o sol.

O homem do calabouço argumenta:
--- Altamente concentrado no unilateral,
jamais serei claro.

Buddha diz ao homem do calabouço:
--- Em você é real e claro o que é invisível,
falante de uma fala que é da gramática só uma lasca.

MANHÃ, CAVALOS

Sou triste
não posso estar nos cavalos
quando chove

Eu também vi
no dorso de cavalos
a chuva esquecer de si

Max Ernst


OBSERVANDO NO HORTO A ILUSÃO

O opus imperial do escritor
nunca se encontra no texto caligrafado,
mas antes no concílio diário
com a altura irreal do belo e do selvagem,

onde se pratica com os princípios
materiais do absoluto.
A arte de deformar imagens
busca a liça do aço abrasado:

aço que respira com os claros do sono,
aço do fogo ardente com que aí está,
aço dos grãos azuis com a pedra racional.

O que não existe pode acordar no céu.
A sabedoria a captamos na ilusão
e a arte é silêncio.

Hieronymos Bosch


NATURAL

O serafim Veuiah perscrutou no sonho humano
o princípio da fragrância natural.

Para Veuiah,
o ideal da graça e da brancura seria a pérola:
silêncio natural do círculo.

Anon, 1932


O SONHO DE KALICANTHUS

Antiga a sabedoria a do pergaminho,
se permanece em silêncio.

Se quiserem desvelar o pergaminho,
que tenham a paciência de lê-lo.

O inexistente poeta persa Kalicanthus sonhou,
por ter adormecido sob nuvens,

com deusa nascendo da espuma,
e por não ter ignorado o sonho,

teve a ventura que mereceu:
afogar-se num mar de rosas.

As mudanças imperceptíveis,
sempre as mais profundas.

Daí a satisfação de Kalicanthus
sendo chupado no flanco pela deusa.