
sexta-feira, 14 de dezembro de 2007
DO LIVRO DE HORAS DE SÓROR DOLOROSA
SANTA CLARA DE ASSIS
Eu não cultivo
pássaros azulados em gaiolas de ouro:
rebebo, sim, o encharcar dos brejos,
aí se me acordo, suspendo uma folhagem.
Sob o chuvoso arco do mosteiro
se deu o que se deu --- o isto é! ---
avanço pela escadaria de pedra para espiar
parada, imersa na luz, Santa Clara de Assis.
Eu respiro
o sono tempestuoso das lianas durante o vendaval:
eu sou o ferrão escuro do escorpião eu sou
a cantaria barroca e o sino:
queimo com as palavras ferro e brasa
a pele translúcida dos anjos.
SANTA CLARA DE ASSIS
Eu não cultivo
pássaros azulados em gaiolas de ouro:
rebebo, sim, o encharcar dos brejos,
aí se me acordo, suspendo uma folhagem.
Sob o chuvoso arco do mosteiro
se deu o que se deu --- o isto é! ---
avanço pela escadaria de pedra para espiar
parada, imersa na luz, Santa Clara de Assis.
Eu respiro
o sono tempestuoso das lianas durante o vendaval:
eu sou o ferrão escuro do escorpião eu sou
a cantaria barroca e o sino:
queimo com as palavras ferro e brasa
a pele translúcida dos anjos.
A RESPOSTA DE JEAN COCTEAU
À pergunta:
--- Se na sua casa pegasse fogo,
o que você salvaria?
Jean Cocteau respondeu:
--- O fogo!
Salvação, em hebraico, significa
"respirar à vontade".
Há essa ânfora que carrego,
ânfora distraída no precipício.
Ao atravessar esta porta,
ânfora lavada:
só o sonho poderia levá-la ao Santo dos santos.
À pergunta:
--- Se na sua casa pegasse fogo,
o que você salvaria?
Jean Cocteau respondeu:
--- O fogo!
Salvação, em hebraico, significa
"respirar à vontade".
Há essa ânfora que carrego,
ânfora distraída no precipício.
Ao atravessar esta porta,
ânfora lavada:
só o sonho poderia levá-la ao Santo dos santos.
ESTA É A CONFIANÇA QUE TEMOS EM DEUS:
SE LHE PEDIMOS ALGUMA COISA
SEGUNDO A SUA VONTADE,
ELE NOS OUVE.
(1 João 5, 14)
Pés de ouro equilibram-se em peixes.
Inciput erat verbum: no princípio era a palavra.
A palavra é clarabóia
sobre o pensamento escuro.
Jesus cita as antigas escrituras
para sugerir que somos deuses.
Na fonte fria lavar cabelos,
lavar cabelos na fonte fria.
Pés de pluma equilibram-se em águas.
Tenho confiança em Deus
e a Ele peço três coisas segundo a Sua vontade:
--- a força da criança
--- a força da poesia
--- a força da música
SE LHE PEDIMOS ALGUMA COISA
SEGUNDO A SUA VONTADE,
ELE NOS OUVE.
(1 João 5, 14)
Pés de ouro equilibram-se em peixes.
Inciput erat verbum: no princípio era a palavra.
A palavra é clarabóia
sobre o pensamento escuro.
Jesus cita as antigas escrituras
para sugerir que somos deuses.
Na fonte fria lavar cabelos,
lavar cabelos na fonte fria.
Pés de pluma equilibram-se em águas.
Tenho confiança em Deus
e a Ele peço três coisas segundo a Sua vontade:
--- a força da criança
--- a força da poesia
--- a força da música
AQUI (OPUS 1)
Aqui o relógio de Anton Saupp
aqui os lençóis molhados de mar
aqui a enciclopédia do salmão
aqui a ilegível nuvem e o coqueiro
aqui o líquen na língua
aqui as cinzas de Picasso
aqui o piscar do Espírito
aqui o cabúqui enquanto durmo
aqui uma linha de Hokusai na praia branca
aqui o adágio atravessa o muro
Aqui o relógio de Anton Saupp
aqui os lençóis molhados de mar
aqui a enciclopédia do salmão
aqui a ilegível nuvem e o coqueiro
aqui o líquen na língua
aqui as cinzas de Picasso
aqui o piscar do Espírito
aqui o cabúqui enquanto durmo
aqui uma linha de Hokusai na praia branca
aqui o adágio atravessa o muro
AQUI (OPUS 2)
Aqui a língua do salmão
aqui as cinzas do espírito
aqui a nuvem equilibra o líquen
aqui a enciclopédia do cíclope
aqui o caqui ao lado do cabúqui
aqui a linha do trem é invisível
aqui o mar é de lençóis
aqui o açúcar não se molha no chuveiro
aqui a sombra de Johann Sebastian Bach
aqui o adágio atravessa o muro
Aqui a língua do salmão
aqui as cinzas do espírito
aqui a nuvem equilibra o líquen
aqui a enciclopédia do cíclope
aqui o caqui ao lado do cabúqui
aqui a linha do trem é invisível
aqui o mar é de lençóis
aqui o açúcar não se molha no chuveiro
aqui a sombra de Johann Sebastian Bach
aqui o adágio atravessa o muro
O MORTO ACORDA NUM QUARTO NOVO
O nojo do morto é azul-carvão.
Vaso com pervincas o enlouquece.
A língua surda-muda do morto
nada sabe do sol e da sombra.
Depois que o vaso é arremessado no ladrilho,
ásperos os cacos lavam-se de toda certeza:
– somos nós os mortos –
na cama estreita e dura sem veleiros.
O vaso estilhaçado ressuscita no terceiro dia.
Está no céu onde caiu em ventura.
Paira sem destino entre odoríferos ares.
O nojo do morto, que era azul-carvão,
torna-se de acre verdura,
e a música verga de silêncios o vaso imortal.
O nojo do morto é azul-carvão.
Vaso com pervincas o enlouquece.
A língua surda-muda do morto
nada sabe do sol e da sombra.
Depois que o vaso é arremessado no ladrilho,
ásperos os cacos lavam-se de toda certeza:
– somos nós os mortos –
na cama estreita e dura sem veleiros.
O vaso estilhaçado ressuscita no terceiro dia.
Está no céu onde caiu em ventura.
Paira sem destino entre odoríferos ares.
O nojo do morto, que era azul-carvão,
torna-se de acre verdura,
e a música verga de silêncios o vaso imortal.
A VASILHA DE JACOB BOEHME
O vazio nunca foi pesadelo:
mergulho no escândalo arcaico da noite.
Falham silêncios na hora H,
serenam os espelhos.
A vasilha de Jacob Boehme é de estanho:
meu Reino é deste mundo,
nele sabor da língua e ontem ilusório conversam.
A rã é um recinto,
é desejo e é losna.
Só palavra esta pedra,
avesso da voz da ave:
o espelho que a penumbra
oculta todo o relvado que é nada,
abandona, o espelho,
um jardim de nenúfares atrás do vento que sonha,
que sonha que não é vento,
que sonha que sempre é,
mas nunca vem a ser,
nem deixa de ser:
o vento sonha que é a palavra vento.
O vazio nunca foi pesadelo:
mergulho no escândalo arcaico da noite.
Falham silêncios na hora H,
serenam os espelhos.
A vasilha de Jacob Boehme é de estanho:
meu Reino é deste mundo,
nele sabor da língua e ontem ilusório conversam.
A rã é um recinto,
é desejo e é losna.
Só palavra esta pedra,
avesso da voz da ave:
o espelho que a penumbra
oculta todo o relvado que é nada,
abandona, o espelho,
um jardim de nenúfares atrás do vento que sonha,
que sonha que não é vento,
que sonha que sempre é,
mas nunca vem a ser,
nem deixa de ser:
o vento sonha que é a palavra vento.
Assinar:
Postagens (Atom)