quarta-feira, 18 de junho de 2008
No capítulo 7 do Horto de Leviathan, de autoria daquele mesmo anônimo da filosofia escolástica, uma nota aclara o único argumento convincente a favor da ressurreição do corpo. Eis a nota: “Quem construir uma pia baptismal no mantra, coloca plantas vivas na água, desprende-se da concretude e retorna ao princípio, ou àquilo ‘anterior ao princípio’, quando ‘antes que a primeira vela se acendesse, a vela já estava acesa’”. Cansada da fraqueza extrema, que sempre a enlanguesce nas primeiras horas da manhã, Lucana decide urinar no antifonário, após ter lido pela quinquagésima vez o insosso fólio do Glossarium latinatis. Que ela urine na própria saia de organza ou nas pedras do deserto, mas nunca no antifonário, porque nele está escrito, com letras de missal, que o cinismo é casca frágil e só nos salva da extinção a pureza das linhas de um Modigliani ou essas estruturas coruscantes de reflexões sardônicas. Lucana, no ensombrado quarto de dormir, ao cerrar os olhos profundos, observa miniaturas de afrescos gregos que parecem se guardar de um contágio indigno. Para não acordar Lucana, saio pisando musgo. Esqueci de regar as plantas no casarão. Antes de ir, ainda espio mais uma vez, à sombra do jarro de rosas, um breve orvalho na nudez daquela que dorme – de acordo com a descrição de Lezama Lima –, feito uma “pequena caixa de cristal, cheia de alfinetes e agulhas, e que, mesmo situada na última peça da casa, ainda sente quando o bonde passa”.
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