quarta-feira, 11 de março de 2009

Nunca mais me esqueço da sombra silenciosa que marca o piso de pedra da pequena igreja do Carmo. Ali, diante do oratório, rasgo e devoro algas de Bíblia. Solidão é rito e, se venta lá fora, na pia baptismal uma folha seca. Aqui acordo, em meio ao sonho que é essa pequena igreja; acordo para a lucidez de que estou sonhando e, se não sonhar --- sucumbo --- igual onda que se extingüe ou fina linha de lápis que se apaga. Anoto no cahier: “Quem anda nas águas, envolto em névoa antiga, nada quer da cruz. O lado oceânico da cruz, existe? Ou existe só essa avena perfumada de altura?”. A presença quase física da imagem do deus Orum, nessa pequena igreja cristã, faz uma sombra perfumada nas paredes brancas, e é para este deus que escrevi, nas algas da Bíblia, um oriki:

QUANTO MAIS PRÓXIMA A LÍNGUA

DA ORIGEM DA CHUVA,

MENOS FEL E GRAMÁTICA

O acaso espreita da folha em branco.

Toda sede do céu é de abismo

e vivace sorvo, touro de mar caço à unha:

oro a Orum, peço que a neve nô

caia

nas árvores vergadas pela névoa.

O pensamento quer matar a sede

no oriki da chuva.

Quanto mais perto da música de câmara,

mais a língua venta um acorde que amanhece

esse virgem verso,

esse rosário de buirás,

esse kami

na imensa altura do vento.

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