quarta-feira, 11 de março de 2009

O primeiro encontro: K. e a banhista Lucana --- no terraço do bar Gallo del Viento --- destrinçam caranguejos e o odor do mar esgueira o muro gretado numa espiral de avencas. Lucana não quer o reino dos amargos, porque ela é naiás, ádos: ninfa dos cursos de água. Os únicos a morrerem, escutei por aí, são os que demoram muito a se tornarem imortais. Os copos entrechocam-se de leve num tinir de vidro e as grandes árvores, lá fora, dobram-se ao vendaval. Simulando um espírito que desperta, sobe da cabeça de Lucana um halo grosso de luz que fura todos os lençóis dos varais de Villa da Concha, fura os lençóis com certeiros golpes de cortante sabre e – esses furos nos lençóis – atraem um peixe de ouro, um peixe sedento mas, para esta sede de peixe, cura não há. As grandes árvores são orações, principalmente quando venta. Lucana segreda a K. uma receita afrodisíaca:

MARISCO PARA OS DIAS DE VERÃO

Sete ervas

folha de hortelã alho

sumo solar de siri canoa farinha-de-rosca

húmus marinho

marisco erva-cidreira tainha sal

panela-de-ferro cachaça alfavaca

limão galego pimenta-do-reino

cebolinha cortada louça

arroz integral vinho do Porto toalha talher

copo d’água

Comento com Lucana que eu vim a esse bar Gallo del Viento com os três andaluzes tocadores de viola, com a gueixa Yuki, que massageia minha nuca nas horas vagas, enquanto provo figos que surrupiei do quintal do senhor Antônio. Eu vim a esse bar Gallo del Viento e, se Lucana ainda não vislumbrou os andaluzes tocadores de viola e a gueixa Yuki, é porque eles cultuam a timidez, rigorosamente invisíveis. No bar Gallo del Viento alguém lava os copos engordurados, dos quais clientes sorveram o sumo azedo de cervejas. O homem é a sombra de um sonho tempestuoso e cálido e, no íntimo, tenta evitar a submissão à sintaxe vulgar e rígida. Sabe-se que água enferruja as proas de barcas e todo o resto. K. confessa: “Da cacofonia fiz um instrumento que clareia cães cabisbaixos, covas, que clareia a luz suja de Villa da Concha”. K. revela: “Li num pergaminho de astrofísica antiga que --- à página 61 de qualquer livro --- há um grego que súbito vira para trás e nos coloca na palma da mão uma pérola de ouro”. K. e Lucana marcam encontro para um outro dia.

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