domingo, 2 de março de 2008

Rente ao mar grosso; debaixo de árvores altíssimas, – eucaliptos, baobás? –, Eu, Rimsky-Korsakoff, com a boca seca, os olhos turvos, também espero Godot nesse terraço do Hotel das Palmeiras à beira da restinga de Marambaia.

Sempre que chego aqui um nevoeiro me envolve e, no meu pensamento, o Esteves me sorri da Tabacaria. Diante da beatitude, tem dias, emboto a ponta da sagacidade e, sob nuvens velozes, sorvo da xícara de linhagem o chá e aproveito para descansar à sombra de um guarda-sol.

Aqui no terraço, enquanto espero o dry Martini, penso seriamente em desistir da cruenta e inútil pesquisa do Vazio Humano. Eu, originário da Antioquia, segundo os dementes e os caluniadores, nas horas vagas também seria copista na biblioteca de Alexandria. Tudo mentira, claro.

O que acontece, e os dementes e os caluniadores nunca podem saber, é que na hora noturna, à bordo de uma certa barca Nautikon, singro acima das torres circundadas de neve, de ciprestes e de corvos. Ao longe, na colina nevada, observo arcanjos que esvoaçam serenos e pousam nos telhados românticos de ardósia, onde também a chuva se deixa cair, entornando água sobre água, chuva sobre o cair da chuva.

A voz flui no cipoal noturno, clareando o sisal. Aqui, nessa região fria, pode-se ver claramente, ergue-se a Torre abandonada e, nela, Hölderlin ainda respira incólume; mas gane nas noites o Hölderlin, bate a cabeça na parede de pedra da Torre porque já não pode ver o céu com olhos de criança.

Súbito, das fendas da Torre em fuga toda música e um corvo e deságua a ventania, o pêssego em núpcias com o mineral e a luz do candeeiro se apaga e a sombra molha a pele de papel-de-arroz da gueixa Yuki.

Lá o vazio – o vazio do céu que molha as roupas estendidas no varal.

O vazio, que nunca feriu a copa das árvores nem tirou lasca do morto estirado na relva, antes o ressuscita e lava o crânio dele com sete óleos, sete ervas; o morto que, ressuscitado, cai num carrascal sem rosas e, durante a vertiginosa queda, é capturado pela horda de pégasos que migram para a ilha de Lídia.

Em Lídia esvoaçam uns cavalos brancos com chuvas pelas crinas e estes cavalos exercem a pureza com ferocidade e não, como disse Calígula, a ferocidade com pureza.

Sobriamente Eu desfio um rosário de estrelas para Oxum, sereno e aquático Oxum, dentro de Oxum não há nada, apenas existe, em Oxum, um certo cantábile que torna ameno o resedá e à turba rumorosa acalma. Oxum singra às constelações da sibila Lythia para, diante dela, escutar – não os doutores do Grão-Veículo que insistem, em seus ensinamentos, que o essencial do universo é o vazio – mas, sob as mansas constelações, reverente escutar Lythia dois minutos antes da chuva.

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