quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Cartier Bresson


O pesadelo de K.: “Nunca estive aqui. Respiro ao modo antigo, e a matéria clara de uma Cassiopéia, que move cristal de rocha e músculo, turva-me ainda mais do que o Deus da respiração. Manah, em sânscrito: ‘mente’. O vocábulo santo – Deus – igualmente do sânscrito, é grafado D’jeus e significa ‘lua clara no céu: mente silenciosa, sem sonhar’. No sono já sei que o sonho é uma astúcia da vigília. No pesadelo do sono estou no calabouço, vocifero, estou no calabouço, amarrado a um tronco e à espera do interrogatório noturno. Uma nova estrela ventila as vértebras e nelas eu teclo uns acordes da Sagração da Primavera, de Stravinski. Lá, acima dos claustros altos e românicos do castelo de pedra, os ventos nunca dormem. Aqui, no calabouço, a alma cativa, chagada toda, está em carne viva. Neste lugar de lodo amor não há e o peixe de escuro dorso pétreo dilacera, com seus dois aguçados dentes de morsa, com seus dois graúdos dentes de morsa o calafrio escalavra a alma sensível. Calabouço, onde eu dormia num catre rude, mas limpo. Ali me curvei ao vasto Vazio, tendo nas mãos caules frágeis. Naquela noite em que enfiaram homens, mulheres e crianças nas câmaras de gás, naquela noite eu atravessei o pátio gelado do calabouço e, à sombra noturna de árvores, encontrei o Vazio sentado num dos bancos rociados pela neblina. O Vazio com a cabeça enterrada entre as mãos”.

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