A poesia parece estar mais do lado da música e das artes visuais do que da literatura. Ezra Pound acha que ela não pertence à literatura e Paulo Prado vai mais longe: declara que a literatura e a filosofia são as duas maiores inimigas da poesia. De fato, a poesia é um corpo estranho nas artes da palavra. (...) Poesia é a arte do anti-consumo. A palavra ‘poeta’ vem do grego ‘poietes = aquele que faz’. Faz o quê? Faz linguagem. E aqui está a fonte principal do mistério. (...) Para o poeta, mergulhar na vida e mergulhar na linguagem é (quase) a mesma coisa. Ele vive o conflito signo x coisa. Sabe (isto é, sente o sabor) que a palavra ‘amor’ não é o amor — e não se conforma... (...) O poema é um ser de linguagem. O poeta faz linguagem, fazendo poema. Está sempre criando e recriando a linguagem. Vale dizer: está sempre criando o mundo. Para ele, a linguagem é um ser vivo. O poeta é radical (do latim, radix, radicis = raiz); ele trabalha as raízes da linguagem. Com isso, o mundo da linguagem e a linguagem do mundo ganham troncos, ramos, flores e frutos. É por isso que um poema parece falar de tudo e de nada, ao mesmo tempo. É por isso que um (bom) poema não se esgota: ele cria modelos de sensibilidade. (...) O lingüista Chomsky distingue dois níveis no fato lingüístico: o nível da competência e o nível do desempenho. O nível de competência refere-se ao nível de domínio técnico da linguagem (...). O nível do desempenho é aquele em que o falante cria em cima do nível de competência. É claro que esses níveis não são separados. (...) Muita inibição ao nível do desempenho é provocada pela insegurança no nível da competência. É nisto que se apóia a censura, de fora e de dentro (auto-censura) para impedir que você crie. Vamos reabrir ambas as válvulas.”
Décio Pignatari
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