segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Cortona


MEMÓRIA DO AGUAÇAL

Eu sei que não existe o Rei que me enviou.
Fernando Pessoa


Oculto na ramagem do que rascunho,
respiro metade xamã, metade pesadelo.
Rascunho quintal para garças e mar,
enquanto o reino nublado, na vigília, se desfolha.
O Buddha que não existe, quando escuta o aguaçal,
recebe o pensamento do aguaçal.
Depois vai arrancando de muros rentes ao palácio
mil sóis ali avoantes.
O que eu sei dos manuscritos do tímpano
é que a matéria imaterial faz refém a matéria.
No papiro de Stephanos – hermetista do século 7 –
a palavra é uma lasca da voz do Buddha que não existe,
inscrita em aguaçal que fia e tece:
a fala é então sua luz e singra, íntima do vazio,
à bordo da barca Nautikon.

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