sexta-feira, 23 de novembro de 2007


As palavras apodrecem se a irrupção da fonte cessa, se o poço não encerra a brasa branca da respiração. As palavras apodrecem nas noites de chuva e, abandonadas ali – cinzas somente – as palavras esperam pelo milagre da voz que resgata do limbo as âncoras, corações e abismos. Palavras: minúsculos hipocampos? Tudo que é vivo já está no céu. Deus é rajado de coisas vivas. Inventou que a lua se vive, que é uma piscina a lua e sugere mergulhos. Antes de Deus havia pedras na penumbra. Depois dele, lençóis ao nível dos poros. As mães que nunca nos esquecem andam pelo deserto depois de verter a vida em cílios. Bebem água de vodca, sal, cal, guinchos, pois é perigosa a sina dos filhos. Vez ou outra perfumam os corpos em oásis, são sutis pelo terror de ainda estarem vivas e passam invisíveis, se salvam no coração dos filhos. Mães não voltam nunca nem no deserto de Sahel ou na noite suave e azul. Fica o diamante seco e sem sede, que recita: “O que sou já não é”. Naquela noite arrastaram meu avô e o crucificaram na ameixeira atrás de casa. Agonizou três dias, três noites. Nos dias de sol olhava o céu a plumagem dos pássaros grandes na árvore. Nos dias de sombra a dor aprofundava os cravos na carne branca. Ninguém tocava música para cuidar das chagas abertas, ou as esquecidas plumas a seus pés. Após três dias e três noites, o rosto cada vez mais branco de meu avô transformou-se em canoa florida.

Nenhum comentário: