terça-feira, 14 de maio de 2013

Viktor Novatski, 1977


Poison grows in this dark


Hexâmetro pintado no peristilo da casa dos amantes: Amantes ut apes vitam mellitam exigunt. “Amantes, como as abelhas, vivem no mel”.
         A luz calcina paredes do quarto da casa dos amantes: a chama está de pé na casa dos amantes: e as sombras?: lacradas. Não sei reconciliar-me com minha sombra: até a sombra deve ter uma sombra: pólen, haste, poussin.
          O único meio de produzir um discurso apto a dizer o profundo será dobrar-se a todos os vendavais jazzísticos da língua: desejo para o meu amor a vegetação dos ventos que corre nas minhas veias pagãs.
         Leio, apesar do insidioso cansaço que me abate nessa hora tardia, um in-fólio de Espinosa que afirma que “a alma humana não conhece o próprio corpo nem sabe que este existe; que a alma humana é a própria alma; que a essência das coisas produzidas por Deus não envolve a existência”.
         A língua é um sistema em contínuo desequilíbrio. Se levada ao extremo, alucina o adágio fugace, depois encontra o estame do som. Enxugar o gelo com a língua: inútil. Enxugar as águas da praia do Grou com a língua: inútil. Como explicar a língua de frauta ruda, a língua de agreste avena, a língua de Ur a uma tartaruga morta? a um ventilador quebrado?
         Cala-te, ó língua putrefata. Cala-te, ó pó da língua.
         Se eu trouxer a caldeirada de enguia para a única terrina na mesa, então queime, ó língua, queime beatos e quiabos: queime, ó língua, queime hóstias e crucifixos, depois escute, com a língua do tímpano: o “Tchibum”, de David Hockney; o “Whaam”, de Lichtenstein; “As carpas”, de Hokusai.
         Com a cabeça envolta em mel, com a cabeça envolta em tempestade, a língua atiça a torre de Babel, a língua baba a planta venenosa no pulmão do óbvio, e, com a espinha do peixe Capelo (Synaptura lusitanica), engasga os que não escutam a chuva na vidraça, os que apedrejam as finas linhas de Klee, os que consideram os mantras de Aruanda um delito e detestam a bela voz de Teresa Salgueiro: https://www.youtube.com/watch?v=kpCk3fJU-g4.

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