quarta-feira, 15 de maio de 2013

Auguste Lesouëf, 1912


          Elisa nunca fica de costas para as jarras cheias d’água na sala e, à mesa, talheres, prato, copo e o salmão grelhado. Ao canto da longa mesa, espiando o céu pela vidraça, Elisa escuta o silêncio, atenta ao que nas coisas está sempre escutando! Ainda lembro dela arrancar das jarras o vidro, contudo, sem vidro, não há jarras.
          Ela paira nesta sala de jantar e lê as Breves memórias de Alexandros Apolonios. As orações que Elisa faz não purificam as árvores lá fora. O amor é o menino em chamas no tombadilho, é a pata esmagada do cão por um trem, sobretudo, o amor conduz à elegância e faz com que a seriedade fúnebre suma na curva da açucena ou toque um noturno em sua própria coluna vertebral.
          Nessa manhã antiga, à sombra de árvores seculares, e também à sombra das jeunes filles proustianas, eu, definitivamente, decidi que não posso andar por aí com as jarras cheias d’água de Elisa. Mas posso consentir que alguém queira escutar o silêncio que Elisa escuta. Se aqui eu estivesse com as jarras, uma em cada ombro, o máximo cuidado teria para que não caíssem, as jarras, nas pedras. Sejamos reverentes à verdade sóbria e pura: nenhum de nós nunca chegou a existir para que houvesse alguma possibilidade de paraíso após o último suspiro.
          Tão absolutas as jarras cheias d’água de Elisa. Mas tão maciçamente seca e pétrea a caveira. Tão jarras d’água as jarras de Elisa. Só com elas Elisa pode ver a estrela.
          Imersa no vento, onde respira, Elisa aprende que a vida é vã como a sombra que passa, e que as jarras são jarras, mais que sombras, porque jarras fazem sombra e nunca sombras fazem jarras.

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