sexta-feira, 3 de abril de 2009

Em casa da Francisca, onde eu, Cacto, vou aos domingos, a biblioteca é escura e estreita, com gaiolas de canários e vasos de plantas; algumas estantes de pau preto acondicionam grossos fólios de convento e de foro, e até um anjo pode ser visto que observa, pela janela escancarada, o laranjal.

Sob a imensa curva deste céu, nesse primeiro dia do mundo – origo et fons – eu, Cacto– passo os dedos pelos volumes da História genealógica, mas me detenho horas no Vocabulário, do muezim turco Sitar al-Camaã, depois rabisco numa das páginas desse livro o copo cheio de gérberas negras.

Acima da casa de Francisca o vazio do céu, que nunca feriu a copa das árvores nem tirou lasca do morto estirado na relva, antes o ressuscita e lava o crânio dele com sete óleos, sete ervas; o morto que, ressuscitado, cai num carrascal sem rosas e, durante a vertiginosa queda, é capturado pela horda de pégasos que migram para a ilha de Lídia. Em Lídia esvoaçam uns cavalos brancos com chuvas pelas crinas e estes cavalos exercem a pureza com ferocidade e não, como disse Calígula, a ferocidade com pureza.

Sobriamente, Eu, o Cacto, desfio um rosário de estrelas para Oxum, sereno e aquático Oxum – dentro de Oxum não há nada –, apenas existe, nele, um certo cantábile que torna ameno o resedá e à turba rumorosa acalma.

Oxum singra às constelações da sibila Lythia para, diante dela, escutar – não os doutores do Grão-Veículo que insistem, em seus ensinamentos, que o essencial do universo é o vazio – mas, sob as mansas constelações, reverente escutar Lythia dois minutos antes da chuva.

Nenhum comentário: