
quinta-feira, 31 de julho de 2008
Sonhei tanto, sonhei tanto, que não sou mais daqui. Às águas da piscina de Caracalla levo a alma, --- na piscina nadam cinco Danaides ---, levo a sede às cacimbas. Com pureza entro na barca do pensamento; agora sei que as Danaides é que arejam a língua da piscina. Há dentro de mim uma água que não existe. Há uma fonte além do vento e da morte: nela água é humilde. A cisterna que a contém recende a um acorde de pólen. A música é haste de gramínea entre os cabelos das Danaides. Esqueci minha língua de piscina no tímpano de uma delas --- a com o leque.
Tara verde: a mulher Buddha

sexta-feira, 25 de julho de 2008
O Tao que pode ser mencionado não é o verdadeiro Tao. Nomes podem ser mencionados, mas não o nome eterno. A origem do Céu e da Terra está na ausência de nomes. A Mãe de todas as coisas também não pode ser nominada. Mesmo oculto, o Tao exerce sua influência. Devemos olhar esta influência como Sempre-manifestada. E quando é manifestada, devemos olhar para outro lado. Esses dois fluem da mesma fonte. Embora tenham nomes diferentes, ambos são chamados de Mistérios. E o Mistério dos Mistérios, o Tao, é a porta de tudo o que é essencial.
Capítulo 1 do Tao Te Ching
O pequeno inseto com asas brancas descerra a porta de aço maciço. O insignificante, o mínimo, o quantum descerram a porta maciça.
Aqui, no Templo de Sat, Eu, o arqueiro quântico, empunho o Arco, a Flecha e recito: tenho o dom de atrair o acontecimento de acasos felizes.
Diz o Buddha:
“Antes que a primeira vela
se acendesse,
a vela já estava acesa”.
Nessa hora sem sombra, ignoro tudo na arte em que sou exímio. Apenas contemplo puramente o alvo.
Algo dispara, algo acerta. Algo: a essência de uma coisa.
O mérito desse tiro, no entanto, não me pertence, pois ao permanecer esquecido de mim mesmo e de toda intenção, no estado de tensão máxima, o disparo foi realizado pelo Algo que, tal qual uma fruta madura, caiu.
Só o que escuto é um zunir que perfura o ar:
Algo dispara a flecha,
algo acerta o alvo.
Mas Algo também diz, se afinarmos a escuta:
Algo diz pára de sofrer,
diz pára de mentir,
diz pára de ter ressentimento,
diz pára de baixo-estima
e algo acerta o alvo.
O ponto em que a coisa-em-si (o Átman: o indestrutível) entra mais imediatamente no fenômeno é aquele em que a consciência (mente sem pensamentos) ilumina a Vontade.
Mente: consciência com pensamentos.
Sono, sonho, vigília.
A psique (alma), para os gregos, significa: inseto, mulher bonita, sopro.
O pequeno inseto com asas brancas descerra a porta de aço maciço. O insignificante, o mínimo, o quantum descerram a porta maciça.
Ou como dizia Paulo Leminsky: “E no interior do mais pequeno abre-se profundo a flor do espaço mais imenso”
O que é o quantum? A menor medida possível da matéria, que não pode ser subdividida em nada menor. Segundo Stephen Hawking, quantum é “a unidade indivisível em que as ondas podem ser emitidas ou absorvidas”.
O texto acima é fragmento do livro
“O arqueiro quântico,
de Fernando José Karl
– Enquanto você tentar provocar o momento de disparar a flecha, não irá aprender a Grande Arte. A mão que estica o arco deve abrir-se como se abre a mão de uma criança. O que atrapalha a exatidão do tiro é a vontade demasiado ativa do arqueiro que pensa que aquilo que ele não fizer, não será feito.
Enquanto o mestre Kenzo Awa explicava que o tiro com arco consiste em deixar partir a flecha sem a intenção de acertar, de atirar sem apontar – ou em outras palavras, ficar na máxima tensão, sem intenção –, Herrigel não pôde deixar de dizer:
– Nesse caso, o mestre deve ser capaz de atirar de olhos vendados.
Na volta, reparou que o velho arqueiro Kenzo Awa se preparava para a cerimônia do tiro com arco. Após uma saudação dirigida ao alvo invisível, o mestre deslocou-se, dando a idéia de deslizar sobre o soalho. Os seus movimentos sucediam-se com a lentidão e a fluidez de uma língua de fumo que rodopia docemente ao sabor do vento. Ergueu os braços e depois os baixou.
Kenzo Awa permaneceu imóvel, com os braços esticados, como se acompanhasse a flecha até seu destino desconhecido, como se o tiro se prolongasse numa outra dimensão. Logo a seguir, e mais uma vez, o arco e a flecha voltaram a dançar nas mãos dele. A segunda flecha silvou como a primeira e foi devorada pela noite.
Espiando
Rita Hayworth
no banho
L’hydre-Univers tordant son corps écaillé d’astres.
Água morna de chuveiro na pele de Rita Hayworth. Com suavidade descerro as portas do box e a flagro ensaboando as clavículas, o ventre, os pés. A nudez dela ondula sombras nos azulejos brancos. Vidros embaçados, o barulho da água atrás da cortina de plástico; as coisas essenciais, os reinos da chuva, incrustados fora da razão. Aqui, ante Rita Hayworth, devo ser um servo, e servo reverente. Ela me chama, aproxima seus lábios dos meus e nos beijamos através do plástico transparente: dura apenas um instante. Não esqueço nunca que eu tenho pelas banhistas de chuveiro uma predileção especial, ainda mais se essa banhista é Rita Hayworth. E se, após o banho, ela cobrir o nu com uma toalha, ai dela, eu viro Calígula, o Terrível, ordeno a meus exércitos que arranquem a toalha enrolada em seu corpo. Que a toalha suma! E que reste límpida a nudez de Rita Hayworth, assim deitada na cama, em estado de óbvia distração.
quarta-feira, 23 de julho de 2008
“Miserere mei, Domine, quonian infirmus sum; sana me
Domine, quoniam conturbata sunt ossa mea”.
(Rei Davi)
Sana me de formas turvas, Domine.
Sana me da miséria tumular.
Sana me do ríctus da amargura.
Sana me do conturbado vendaval de Carrascozza.
Sana me de não fazer ablução com água de estrela.
Sana me de crótalos marinhos envenenados.
Sana me de cadáveres dragados nos pauis.
Sana me com os Santos Óleos e o azeite dos doentes.
Sana me de fétidas palavras.
Sana me.
Sana me com a força da doçura.
Sana me com a força da poesia.
Sana me com a força da música.
Sana me com a força das mulheres e das crianças.
Que língua, ossos e olhos sejam para sempre.
No mais mineral das profundas prosas altas,
.......... onde a viola de chuva se esconde,
.......... lá onde as piscinas ondulam tempestuosas,
.......... quando o escarcéu das águas se avulta,
.......... lá a voz selvagem e as iguanas sedentas,
.......... lá, na voz, se aclara a palavra nunca vista
.......... e a obsedante garoa rega a pedra da elegia.
.......... No alto-mar de transparente massa cristalina,
.......... quanto mais ao alto-mar de silêncio perto,
.......... mais a voz vai aclarando,
.......... se antiga é a alma que se vislumbra,
.......... assim das profundas mostra claro e radiante
...................... o mineral das prosas altas
...................... que serena o que, nas sedentas, há de árido.