domingo, 29 de junho de 2008

Rente ao mar grosso de sal e azul e às anêmonas molhadas; debaixo de árvores altíssimas — paineiras, baobás –, Eu, S. — o peixe-espinho — com a boca seca, os olhos turvos, também aguardo Godot e Francisca B. nesse terraço do Hotel Sunset Boulevard – à beira da Tabacaria do Esteves. Sempre que chego aqui, parece que um nevoeiro me envolve e o Esteves me sorri. Desejo confessar algo: diante da beatitude, tem vezes, emboto a ponta da sagacidade e, sob nuvens velozes, sorvo da xícara de linhagem um chá verde e aproveito para descansar à sombra de um guarda-sol branco. Aqui no terraço, enquanto espero meu dry Martini, penso seriamente em desistir da cruenta e inútil pesquisa do Vazio Humano... Eu, Schopenhauer, de vez em quando, segundo os dementes e caluniadores, sou o desenrolador de livros da biblioteca de Alexandria e, à bordo de uma certa barca Nautikon, singro acima das torres circundadas de neve, de ciprestes e de corvos cruentos. Ao longe, na colina também nevada, arcanjos esvoaçam, pousam nos telhados românticos de ardósia onde a chuva se deixa cair, vazando água sobre água, chuva sobre o cair da chuva. Noturno, o rio flui de seu manancial, que é o amanhã eterno. Aqui, nessa região gelada, pode-se ver claramente, ergue-se a Torre abandonada e, nela, Hölderlin ainda respira incólume; das fendas da Torre foge toda música e todo corvo e deságua a fuga e a chuva e o pêssego e o mineral e a luz do candeeiro em fuga e a sombra molha a pele de papel-de-arroz da gueixa Yuki. Lá o vazio — o vazio do céu que molha as roupas estendidas no varal. O vazio, que nunca feriu a copa das árvores nem feriu o morto estirado na relva, antes o ressuscita e lava seu crânio com sete óleos, sete ervas; o morto que, ressuscitado, cai num carrascal sem rosas e, durante a vertiginosa queda, é capturado pela horda de pégasos que migram para a ilha de Lídia. Em Lídia esvoaçam uns cavalos brancos com cristais pelas crinas e estes cavalos brancos exercem a pureza com ferocidade e não, como disse Calígula, a ferocidade com pureza. Sobriamente Eu desfio um rosário de estrelas para Oxum, belo e aquático Oxum, dentro de Oxum não há nada, apenas existe, em Oxum, uma certa música que torna serena a turba rumorosa e singra às constelações da sibila Lythia e, diante dela, saibamos escutar — não os doutores do Grão-Veículo que insistem, em seus ensinamentos, que o essencial do universo é o vazio — mas, diante de Lythia, saibamos escutá-la, reverentes, dois minutos antes da chuva.

Nenhum comentário: