quarta-feira, 28 de maio de 2008

Rotina de gueisha


Ao bater do meio-dia, a gueixa Yuki entrava na tina de Ofurô, a nudez dentro da tina, onde os perfumes derramados davam à água um tom cristalino de nada: depois uma carpa a penetrava, gozoza, de escamas macias, a carpa ia e vinha e friccionava as fendas da gueixa com o cerimonial de quem celebra um culto noturno; e embrulhada num céu que não tinha fim, a alma de Yuki --- céu de seda --- e, num dos recantos de seu mistério, a gueixa ondulava suavemente os quadris, dando aqui e além certo olhar ao jardim lá fora, entre árvores silenciosas – o jardim de pedra.

O resto da tarde, se havia luz que salpicasse as profundezas do horto, a gueixa Yuki passava lendo na Sala de Chá, e ali a mobília era de vime e os pequenos vasos de flores de cerejeira calavam cada mágoa, cada ira.

Um jardim de pedra; aí, quando nele estava, Yuki saboreava os escritos de O Livro do Vento, do poeta Syn Li. Enquanto iam sendo lidas as pequenas odes – a música na vitrola refrescava o ar –, e a gueixa agitava o leque e pensava na carpa, no céu, na seda.

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