quarta-feira, 26 de março de 2008

Violino ao som da saliva


o sabor do ácido me desce à garganta
e o dia percorre a água na ferrugem
nos lábios férreos que beijam a estrada
vocifera um som metálico
e sua a última tinta do meu rosto
carvão-grafite na paisagem de uma janela

hoje

mais uma vez o corpo some, sim,
líquido perdido

o perfume situa o sem-sentido
vago, vazio ou mesmo fúnebre
e com o círio tento tatear-me
no clarão que insiste na brancura

e ao
torcer o azul até que a retina
tatue uma valsa
a boca saliva outro ritmo
e o olhar natimorto dança nas cordas

spalla

que orquestra uma tela, pedra ou sol,
onde aos poucos um som abre
o breu
pulmão fígado pâncreas coração
rígidos em câimbra

um vermelho-pálido se mistura a bracurazul
não mais rosto, não mais sangue
umas vozes que se perdem ao sinistro som

ao mundo

som e saliva, violino, voz
meu não-rosto não mais me assusta
se ainda me debato sobre o que se perde
pura resistência

porque já comi o próprio timbre
mordi a língua
amputei pernas e braços
cedi órgãos para uma tela
abandonei o sangue noutro corpo

e

a música que se impõe
desce à garganta engolindo cores e cordas

da voz a última lembrança:

anos carregando corpo ao som férreo de fantasmas



Marco Vasques

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