quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Dae Woong Nam


Chuva torrencial
nos arredores de Bremen


Chuva torrencial lá fora e aquela mulher de nome estranho – Doutscha – acende uma erva.

O vinil rodando na vitrola.

Próximo à janela envidraçada, o guarda-chuva aberto e a repentina sombra que ele tatua nas paredes. Cessa uma chuva, principia a neve. A mulher de longos cabelos negros, que tem a alma compassiva, confidencia:
– Neste momento – ela diz como quem se surpreende – a neve, olha a neve...

Tento conversar:
– Quer que cesse a neve? Quer um cigarro? Trago fósforos.
– Não, a neve, olha a neve...

Pois Doutscha foi sempre uma consoladora para quem, como eu, na vida aprecia a lógica e pretende que existir seja uma raiz quádrupla do espírito. Há chuvas que Deus mesmo envia, e são aguaceiros no vazio, nos telhados das casas e nas vidraças. Recolho-me, não aos esconderijos que os outros têm, mas à sombra da ampla árvore nessa rua Warmstrasse. Desço os lábios à bica d’água atrás da igreja luterana. Tenho caligrafia regular, sal até nas lágrimas, e os meus livros eu os grafo com mergulhar a pena da melancolia no tinteiro velho, enquanto, ao lado daquela árvore mais escura, alguma deusa com a pele transparente me sorri. Tenho amor a isso de haver a deusa Doutscha e eu acariciá-la, talvez porque, essa noite, eu não tenha mais nada a fazer a não ser enrolar uma erva, escutar Chet Baker.

Ou talvez Doutscha só exista nessa narrativa, da mesma forma que o amor de uma alma só pode respirar à beira do vulcão, e, se temos por sina dar amor, tanto vale se o dou à xícara com chá de artemísia ou ao colosso das constelações.

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