
As manhãs do Peloponeso não devem ser
mais belas que as manhãs da rua do Castanheiro. As coníferas, o rádio alto no
sobrado da esquina, uma construção de grade de madeira e, no quintal, aquele
enorme vaso, plantas de folhas longas. No corredor do sobrado desembocam
quartos cheios de treva e, na sala de leitura, eu visto uma camisa de algodão
enquanto espero que passe o enterro da menina Luciana, filha do açougueiro
Otto.
Quem a conheceu recorda que
sorvia até o fim o cheiro da flor de laranjeira e, nos dias de calor,
descansava à sombra da cisterna. Depois pendurava roupas no varal, andava entre
árvores. A filha do açougueiro Otto trazia o espírito curioso atento ao
cotidiano de louças, vassouras, e nunca compreenderia, por exemplo, a Mecânica
dos Fluidos, de Bertrand Russell, ou as frases cortantes de Wittgenstein, em
seu Tractatus.
Esta imagem da menina Luciana data de 1952, quando ocorre sua morte com apenas
16 anos.
A última vez que a encontrei,
no beco dos Goyas, eu havia puxado um fumo louco junto ao portal da igreja de
São Ignácio.
Aquela tarde, nos muquifos de
sempre, também sorvi a espuma dourada de algumas cervejas Eisenbahn, e, de vez
em quando, olhava para a lâmina que cortaria o virginal pescoço da filha do
açougueiro Otto.