quinta-feira, 11 de dezembro de 2008
Um pedaço azul de sabonete caído no ladrilho. O clarão súbito e breve de um relâmpago de Heráclito conduz as coisas todas ao fluxus. Eu traio Lucana com essa morena que encontrei na rua das Larissas Descalças. Estamos no Motel Agreste. Daqui posso ver a Casa de Água pela janela que, parcialmente fechada, deixa penetrar o ar, mas torna sombrio o ambiente. Se Lucana me telefonasse, eu lhe diria que mergulhava no mar, quando, na verdade, o que eu mergulhava eram os dedos entre as coxas dessa morena de olhos azuis, cabelos pretos. Os ramos afundados ungidos de Vazio, para não esfolar a pele quando o andamento de águas um contra o outro esfregamos. Daí é o instante em que as águas virgens jazem ao lado da friez de corais ouro-alaranjados, águas virgens estiradas no silêncio. Claro que Lucana nem desconfia que estou aqui nesse motel e acariciando esse paraíso de olhos azuis, cabelos pretos. A morena é uma dessas colhedeiras de mariscos e sopra de minha alma a ferrugem e o remorso. Sobranceira, ela rapta-me da ante-sala da loucura, e é por isso que, com haste de bambu, tatuo na minha pele a silhueta que é divina da colhedeira de mariscos. Ela esquece ervas-de-cheiro entre meus pés, nas cortinas e nos lençóis onde trançamos leves desesperos. Coroada quer coroar o que no silêncio é gramática da fonte. A de olhos azuis, cabelos pretos, é um lagar onde não há uvas cáusticas. O que eu sei, dela, é a jângal, e aqueles olhos, com sede, como se vindos de um céu de safira oriental. Dançamos, num andamento vivo, a sardana com o tamboril e a flauta e, à sombra de grandes barcas, com os corpos nus passamos por sobre as algas, os náufragos, as florestas submarinas, os hortos subaquáticos, os bosques molhados. Fora do Motel Agreste, o mar adora o abandono de toalhas molhadas que jogamos no piso eu e a morena – duas águas que se encontram na madrugada: mesma estrela na proa e uns poucos cabelos na correnteza. A presença de Lucana na minha mente culpada – o cheiro dela, de sassafrás, que chega do extenso de cercanias em grossas ondas de luz salina, beatifica de longe, aclara os lençóis, os olhos azuis, cabelos pretos dessa morena e penetra, essa presença de Lucana, a minha cabeça cravada com os espinhos da culpa. Penso que eu não deveria ser como as virgens imprudentes e que devia andar sempre com uma caixa-de-fósforos no bolso ou ser como a nadadora que esquece nas águas formas exóticas de jarras. Um pedaço azul de sabonete e nunca mais vi sequer um resquício dos olhos azuis, cabelos pretos. Apenas restou, de nosso encontro, o que resta de tudo: a brisa, o incenso, o mar como uma louça que se quebra nas pedras.
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