quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Bartolini

MARTINUS

Hoje, Martinus, você disse à mesa que, se contraísse novas núpcias, iria talhar a mulher na pedra para não ter dúvidas da obediência dela.

Martinus, os moradores de tua cidade me chamam de Senhora mestra, não porque te obedeço, mas porque os curo.

O único bem que conservou foi a mansão senhorial com o pátio da criadagem reduzido ao mínimo. E armaram-se as redes de bardana para agüentar o calor nas alcovas desmanteladas.

Marc Hollembeak

A PISCINA DA MANSÃO DOS HOOPERS

A janela do quarto onde durmo deita para a piscina da mansão dos Hoopers; deita a janela, também, para a imensa manhã, onde o vento não se ouve, passa pelas folhas das vinhas, talvez nem se perceba o vento e Homero, que não existe mais, quem sabe sinta essa aragem mais que nós. Sentado à janela, contemplo essa coisa nenhuma que é o quintal com laranjas lá fora.

Quantas vezes julguei ver a luz lá no beco e, nas ruas de pedra com sobrados altos, o que apenas vislumbro são virgens em flor à sombra de cellos de Brahms e, diante do copo de água, eu passo as horas a cismar. Acordo e pulo a janela do quarto, para observar a prosa serena dessa praia Brava – o céu definitivo sempre esteve aqui, entre as coisas naturais – e ali, no areal, finco o guarda-sol, medito que as cordas dos violoncelos em vibração cumprem o seu dever primitivo: soam!

O meu corpo adormece nessa praia, enquanto as folhas da palmeira pairam sombras no mar de gelo. Afasto-me da essência da sombra e, nessa cama improvisada sob o guarda-sol, penso que o imaterial rege o material e reconstrói o osso de Trakl e o jardim que Wittgenstein cuidou no mosteiro da Basiléia. Rente ao mar e sob o guarda-sol, desconsolado e anônimo, escrevo palavras para salvar o alfabeto das conchas; lavo-me em ar de tumba para tocar um inferno suspenso no pensamento. A chuva não perturba as linhas das marisqueiras que ondulam na praia Brava.

Retorno ao quarto que deita para a piscina da mansão dos Hoopers. O céu enfia-se pelos ouvidos, pelas narinas, pela boca e, estirado de novo aqui na cama do meu quarto absurdo, escuto a idéia de que sou pó e ao pó voltarei. Esvaziado de toda alegria, sou forçado a um contato com a brisa que afunda na fronte dos que andam à beira-mar. Escuto cismas da serpente corcunda que insiste cravar suas garras em minhas brânquias. Escuto a chuva que lava os telhados, mas agora, deitado na cama, o que é isso que esboça no inciput fervente um cacto difícil de definir?

A idéia de uma obrigação qualquer me desconcerta: ir ao banheiro escovar os dentes; tratar junto do açougueiro uma coisa que é pedir a carne para o bife; esperar na estação de trem a essa moça tão depressiva, que maquia defuntos para apaziguar os pensamentos de um dia. Às vezes durmo mal e sonho que bato no prato de lentilhas com o pano cheio d'água. É desde a mesma véspera do nada que me preocupo com as pedras que ardem, e o caso real de haver um mar pensativo, quando se dá, é insignificante, mas descerra a porta maciça, e a solidão repete-se, e eu desaprendo a sofrer.

Os meus hábitos são do silêncio, nunca dos deuses nem de Homero, que escutou que um mar é água sobre água que se move. A janela do quarto onde durmo continua deitada para a piscina aberta da mansão dos Hoopers, e a visibilidade de tudo que passa seca minha retina. E, agora, aqui, estou preso à mansão dos Hoopers, principalmente preso a esta mulher que mergulha sua nudez na piscina e verifica se a janela aberta é a do meu quarto.

Poema-cartaz: Leminski (1944-1989)

Giovanni Crupi, 1910


Catacombe dei Cappuccini
.


Meus olhos verão o paraíso,
sim,
mas serão olhos apodrecidos.


Sem palavras

Miran

Homem-peixe



Pense diferente.

sábado, 22 de novembro de 2008

Orlando Pedroso


Pense diferente.

Sem palavras


Rembrandt (1606-1669)


Homer Simpson pintado por Rembrandt.

Brett Weston, sem data


MEDITAÇÃO DO CALIFA OMAR
SOBRE ALEXANDRIA (640 d.C.)

Para Cibele Cambuci, a bárbara.

Com seu periscópio de concha o califa Omar perscruta a baía de las Gavenas, em Alexandria. O caminho do poeta não é o do silêncio, mas o da luxúria.

As ondas nunca ociosas na baía de las Gavenas.

O califa Omar, nesse ano de 640 d.C., escreve numa das paredes do Palácio Real que o princípio de toda poesia é suprimir masmorras, leis da razão: na pedra gasta infiltrar a phantasia: e nos conduzir ao caos originário.

Elizabeth Opalenik, sem data


NUA

De madrugada a mulher nua foge do Convento de Sarga rumo à praia Brava. E, como disse o padre Gavallo: “era já tempo dela se molhasse no mar”.

Estranhei, a princípio, a conjugação inexata do verbo “molhasse”.

Um líquido desejo a entontece, um desejo de molhar as ondas com seu corpo liberto do hábito, do crucifixo.

Sem palavras



Cartier Bresson (1908-2004) fotografa Marc Chagall (1885-1987).
Ver Marc Chagall

http://uk.youtube.com/watch?v=0TlQJA92Uqs&feature=related

Edward Dimsdale, sem data


CASA DE MENANDRO

Logo se espalha um suave vento e as cortinas começam a dançar. A serenidade de um verso latino. Na casa de Menandro angst morre nas pedras. Eu escuto orvalho no olho do peixe que paira o aquário da casa antiga, casa antiga que os vendavais circundam. Uma ramagem de sutis idílios faz sombra na parede branca da casa de Menandro. O sol marinho dá nas calhas e nas venezianas. Menandro desce os degraus de pedras soltas, nos galhos do salgueiro vai deixando blusa, calça, sapatos, chapéu, cachimbo.

John Paul Caponigro, sem data


Só o impossível partilha hálito celeste.

Astrid Cabral

Kasimir Malevich (1878-1935)


AQUI (OPUS 1)

Aqui a língua do salmão
aqui as cinzas do Espírito
aqui a nuvem equilibra o líquen
aqui a enciclopédia do cíclope
aqui o caqui ao lado do cabúqui
aqui a linha do trem é invisível
aqui o mar é de lençóis
aqui o açúcar não se molha no chuveiro
aqui a sombra de Johann Sebastian Bach
aqui o adágio atravessa o muro

Kasimir Malevich


AQUI (OPUS 2)

Aqui o relógio de Anton Saupp
aqui os lençóis molhados de mar
aqui a enciclopédia do salmão
aqui a ilegível nuvem e o coqueiro
aqui o líquen na língua
aqui as cinzas de Picasso
aqui o piscar do Espírito
aqui o cabúqui enquanto durmo
aqui uma linha de Hokusai na praia branca
aqui o adágio atravessa o muro

Anônimo, 1920


Enxagüe os sonhos de ouro:
proteja os anjos dentro.

Santa Clara de Assis (1193-1253)
DO LIVRO DE HORAS DE SÓROR DOLOROSA
SANTA CLARA DE ASSIS

Eu não cultivo pássaros azulados em gaiolas de ouro:
rebebo, sim, o encharcar dos brejos,
aí se me acordo, suspendo uma folhagem.
Sob o chuvoso arco do mosteiro
se deu o que se deu --- o isto é! ---
avanço pela escadaria de pedra para espiar
parada, imersa na luz, Santa Clara de Assis.
Eu respiro o sono tempestuoso
das lianas durante o vendaval:
eu sou
o ferrão escuro do escorpião
eu sou
a cantaria barroca e o sino:
queimo com as palavras ferro e brasa
a pele translúcida dos anjos.

Matisse (1969-1954)


LES BAINS DE CARACALLA

Às águas da piscina de Caracalla levo a alma, --- na piscina nadam cinco Danaides ---, levo a sede às cacimbas. Com pureza entro na barca do pensamento; agora sei que as Danaides é que arejam a língua da piscina. Há dentro de mim uma água que não existe. Há uma fonte além do vento e da morte: nela água é humilde. A cisterna que a contém recende a um acorde de pólen. A música é haste de gramínea entre os cabelos das Danaides. Esqueci minha língua de piscina no tímpano de uma delas --- a com o leque.

Desenho de Fernando José Karl
Ler a novela
A senhora do Gelo,
de Fernando José Karl.

http://www.germinaliteratura.com.br/booksonline_karl1.htm

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Cartier Bresson, sem data


ESTA É A CONFIANÇA QUE TEMOS EM DEUS: SE LHE PEDIMOS ALGUMA COISA, SEGUNDO A SUA VONTADE, ELE NOS OUVE.
(1 João 5, 14)

Pés de ouro equilibram-se em peixes. Inciput erat verbum: no princípio era a palavra. A palavra é clarabóia sobre o pensamento escuro. Jesus cita as antigas escrituras para sugerir que somos deuses. Na fonte fria lavar cabelos, lavar cabelos na fonte fria. Pés de pluma equilibram-se em águas. Tenho confiança em Deus e a Ele peço três coisas, segundo a Sua vontade:
--- a força da criança
--- a força da poesia
--- a força da música

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Consuelo Kanaga, 1948


Quanto mais de perto se encara uma pérola negra, mais próximos estamos do Deus.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008




O fotógrafo Kevin Carter (1960-1994) se suicidou. Motivo: não conseguiu suportar a barbárie da foto acima que ele mesmo tirou.
Ver algumas fotos
que impactaram o mundo
no século 20


1. http://images.google.com.br/imgres?imgurl=http://www.filipesouza.com.br/palavras/wp-content/uploads/2007/08/image012.jpg&imgrefurl=http://www.filipesouza.com.br/palavras/%3Fcat%3D8&usg=__VWsIsat445ham08xqs_4FPEFY2Y=&h=507&w=399&sz=31&hl=pt-BR&start=62&um=1&tbnid=haYxW5k6YBJM1M:&tbnh=131&tbnw=103&prev=/images%3Fq%3Dkevin%2Bcarter%26start%3D60%26ndsp%3D20%26um%3D1%26hl%3Dpt-BR%26sa%3DN


2. http://www.youtube.com/watch?v=CYZ_EbaIEq0&feature=related

Há uma luz que brilha mais do que bilhões de sóis juntos. É a essência da alma. Essa é a luz que mora no coração.

Mestre Shânkara (788-820)

sexta-feira, 14 de novembro de 2008


Nós queremos explorar a bondade, região enorme onde tudo se cala.

Apollinaire
Ver cenas
do holocausto nazista.

1. http://www.youtube.com/watch?v=FaQtZOm4z-Y&feature=related2.

2. http://www.youtube.com/watch?v=XqE0mVrtcQQ&feature=related

3. http://www.youtube.com/watch?v=TWrgBLNM7DI&feature=related

Lapidem esse aquam fontis vivi.
A pedra é uma fonte de água viva.

Magritte (1898-1976)



POPEYE

Inclinado de leve para a deusa de água, o skinhead com roupas de Popeye traz mãos que abandonam no abismo todo um ritual de argúcias.

Murmura, cáustico para si mesmo: “Sou, então, skinhead com roupas de Popeye? Os de minha rua trazem-me aqui para ser julgado por esse Fariseu ressoando como tambor! Que fiz eu? Onde é o meu reino?”

O Fariseu, desatento ao esgoto que lhe suja a alma, perfila-se junto ao sólio de mármore e repete, tonitroante, uns versículos na antiga língua dos livros apodrecidos. Como o skinhead permanece silencioso, o Fariseu vocifera no tímpano dele uma brasa do inferno.

Então Jesus, o sereno, que estava perto do poço, se aproxima, estaca severo diante do Fariseu e, para que ele ouça, recita uma linha de Ovídio: “Se os bichos pudessem falar, ficariam calados”.

A voz de Jesus é clara, segura, quando pronuncia a sagrada verdade: "O reino do skinhead com roupas de Popeye não é daqui!"

Com sombrio murmúrio todos recuam, deixando o Fariseu e Jesus, a sós, no limiar do átrio escuro. Não anda sobre água o Jesus nem multiplica pedras em peixes nem água em vinho, mas, para pasmo da turba que se aglomera ruidosa, ele ordena ao Fariseu que este seja transformado numa chuva fina sobre o rio Jordão.

O Fariseu não aceita que o transfigurem em chuva: "Por que não me transmutas na conta de orvalho que estremece na ponta de uma folha?"

Com os longos cabelos caindo sobre os ombros, Jesus desiste de transformar o Fariseu em chuva. Opta por algo mais leve. A turba, amontoada ao canto do átrio, aguarda o veredito. Jesus convoca as forças angélicas e confirma a sentença: "A partir de agora tu não és mais um Fariseu, mas um peixe com sede e, para esta sede, não há saída".

Man Ray (1890-1976)


A MULHER QUE SE MOLHAVA DEMAIS NA CHUVA

Ela se molhava na chuva do passado, porque certamente o sábio tinha razão quando pronunciou que nunca está chovendo, sempre já choveu. Se ela soubesse que a chuva só molhava, ficaria mais tempo na chuva. Dois domingos depois retornei à sua casa e ela continuava molhada com a chuva do passado. Me contou que teve um sonho grotesco: sonhou que, por ordem de Himmler, dois homens da Gestapo penetraram no apartamento do general Schleicher, em Berlim. A filha dele, que abriu a porta, foi fuzilada na hora. Os homens da Gestapo passaram por cima de seu cadáver e, quando Schleicher pegou na pistola, foi fuzilado junto com sua mulher. As chuvas do passado estavam todas naquele canto da sala, bem ali, ó, atrás do vaso de samambaia. Ela se molhava nessas chuvas, enquanto abria a lata de sardinha.

Hitler e os biscoitos


Ataque de nervos do Fuhrer.
Acesse já!

http://www.youtube.com/watch?v=D1e3rNNm3_c

Hitler Emo


Hitler quer fazer coisas terríveis
com quem mexeu em seu bigode.
Acesse já!

http://www.youtube.com/watch?v=Pamy_kM-A2A


O DEUS E O DEMÔNIO
O punhal de prata na água do poço:
o demônio é o punhal de prata
que o Deus-água-de-poço dissolve
l e n t a m e n t e

Quino