quarta-feira, 9 de abril de 2008

A CHUVA NO JARDIM DE INVERNO

Mas o verdadeiro espólio só se encontra nas profundezas da noite,
na segunda, terceira, quarta hora.

Kafka


Moro no Graben, perto do Café Continental, enterrado vivo num cubículo de cimento, que não permite que eu dance sob a tempestade, que eu corra pelas ravinas, que não autoriza que eu dê mais que um passo para cada lado.

A claridade que vem da geladeira finca sua luz fria na minha retina e, para que essa luz penetre meus tímpanos, inclino a cabeça até o ladrilho, ali me abandono, encolhido, e quase penso que escuto a chuva no jardim de inverno.

Finjo tão completamente que sou a chuva no jardim de inverno, e aproveito para encharcar aquela que sai às pressas do Café Continental.

Ela chega em casa aturdida e a primeira coisa que faz é buscar uma toalha no banheiro. Tenta se enxugar, não consegue, porque está molhada com a chuva fingida que sou, chuva que escuto no jardim de inverno.

Ela me leva para a cama, sem saber que está molhada de mim, e sonha que é uma tempestade que rompe as maciças paredes do cubículo onde moro aqui no Graben.

Um comentário:

Verônica Couto disse...

muito lindo, viu?
abraços,
verônica