Quando
o barco camaroeiro fincou a proa no istmo de areia
à entrada do estuário, escutei George Gurdjieff que pregava aos peixes:
Não
morram sem criarem uma alma; caso contrário, nada sobreviverá à morte.
Cristalizem o ser de tal maneira que a morte não possa destruí-los. Mas vocês
não nasceram com ele: terão de criá-lo.
Apreciando de olhos abertos o fino da vida, em
seu escondido cada um reina, porque em seu escondido cada um escreve que o
prazer da sombra e dos aromas agrestes entram para a alma de certo recordar.
Encosto o tímpano no pulmão da baleia jubarte: os olhos entortados, ora
adormecidos: então respiro bem na beira do nada para pressentir aquilo que,
sereno, cresce dele e percebo que esse nada pronuncia coisas que nunca se
poderia dizer que foram ditas, tal a força do silêncio que nelas viçam.
Todo domingo eu trago na boca a carniça que
fede, por isso bebo no mar salgado, a ver se curo o mau hálito: sim, não é para
se ter medo dos ramos desse domingo. As árvores manifestam a forma corporal do
vento, e conseguem sugerir com claridade o que há de criativo no vazio, a
inextinguível frescura do campo do senhor Buddha. O vazio imaculado é a nossa
verdadeira natureza: o silêncio mental, a culminância de todo som percebido
interiormente, é consequência da meditação, procedimento pelo qual se seguem as
imagens, os pensamentos e os sons até a sua raiz no meio do mais íntimo
sossego: a Iluminação é um estado de “ser sem esforço” (sahaya): uma
planta repleta de seiva: serenidade natural.
As palavras ou as eloquentes-ocas: as vibrantes
de infâmia: as rubras de sabedoria: há certos mares que não devem ser vistos
antes de envelhecermos: a virgindade da água.
E ser tão só pra ser um sonho.
Saio exaurido das ancas de Gregoróvia: o perfume
da santidade que ela acalanta: uma luz sombreando e iluminando a fauce sombria:
a cerca de hibiscos e o quintal: o vento grego: antes que eu a penetre com a
enguia de fogo, ela pede:
“Não com
tanta força”.
Arranco lá do escuro de mim a lucidez de um
instante: adágio de Dvorak: escuto o que Gregoróvia entoa de sua garganta:
“Devora-me
mais uma vez”.
Mal enxugada na cama: ela acalma sua pele com
pensar no vento: eu afasto as cortinas
que ondulam ao sabor do vento marítimo: leve e feliz é o meu desejo: leve e
feliz é o desejo dela: o fogo do aroma: estamos , aldo a lado, alados, sozinhos
no fundo de um céu muito mais que silvestre
Gregoróvia
implora que eu passe a língua na sua clavícula, na sua anca, na sua música, no
seu nada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário