Nasci em Joinville/SC no ano de 1961. Sou autor, entre outros livros, de "Casa de água" (Poesia), "O livro perdido de Baroque Marina" (Romance) e "Senhora do gelo" (Novela).
A serenidade de um verso latino escrito num vaso raro ou no quadrado vivo de um quinteto de Brahms que, já nos primeiros acordes, esboça um quarto em alto-mar. K. escuta lundus e batuques africanos no radinho de pilha. Escuta Brahms, como já disse, e também o barulho da geladeira com pingüim por cima. Necessário escavar, escavar com atenção de arqueiro cavalheiresco o minério dos livros. Se, assim arqueiros, ficarmos em estado de óbvia distração, acertamos o centro do alvo mesmo que não haja arco e flecha, mãos e alvo. Necessário fugir entre árvores agarrado ao pescoço dos antílopes, contudo mais necessário, ainda, é abraçar árvores e deitar nas folhas das folhas de relva. Você não entende o minério mas a mente sabe do silêncio. A mente nasceu de um silêncio de Buddah. Antes que o primeiro Buddah sorrisse, o Buddah já estava sorrindo. Não entende a fonte e ela escorre invisível em você. Tudo aqui é simples. Buddah é simples. Sem pressa, observo a brancura dos linhos domésticos e, lá no fundo do jardim abandonado, a fragilidade das árvores providas de espinhos. No casarão colonial angst... stirb im Gestein (o medo... morre nas pedras), e K., se escuta orvalho no olho do peixe, também cuida da água do aquário e da voz que ecoa no bosque. Orvalho: aquilo que refrigera e consola. Suntuosos vendavais circundam o casarão antigo, que está na rua do Corisco, uma construção de grade de pau, com telhados muito imbricados e largos beirais. O rádio alto e o homem taciturno que nele se abandona: K. Arvoredos abandonam sombras indecisas numa das grandes paredes brancas do casarão. O sol marinho dá nas calhas e nas venezianas, nas louças, na moça que anda de bicicleta. K. desce os degraus de pedras soltas, nos galhos do salgueiro vai deixando blusa, calça, sapatos, chapéu, cachimbo num coral de sereias. Vai recitando, em latim arcaico, um mantra marinho para Virgílio (as palavras ele as fisga aleatoriamente de um dicionário): Tot praestat eu componere fluctus. Et vastos volvunt ad littora fluctus. Mainoménon ponticas só et vastos. Akúon fluctus rózion polijea rictus. Akúon queria par de zalássi. Thálassas thálassas akúon fluctus. Polijea poisson akúon rozíon. Fluctus tot praestat et vastos. Volvunt fluctus um componere. Et vastos rictus fluctus. Akúon acqua akúon volvunt. Fluctus poisson copo fluctus. Et vastos volvunt ad littora fluctus. Tot praestat componeremainoménon d’água. O casarão colonial: esse espaçoso confim de ar silvestre, essa nuvem arquitetônica entrelaçada ao claro vento. Nesse casarão K. pode tudo: esquecer palavras, não procurar a verdade nem afastar as ilusões. Aqui K. não é K., nada precisa fazer, entanto move-se quando o casarão molha-se de asas. Vai quebrar, antes que se aproxime a noite, o vaso mais raro. Inteiro, o vaso serve a alguém. Quebrado, serve apenas aos deuses.
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