Estender a roupa me tranqüiliza. Carregar a bacia azul ao terraço, destrançar os varais vermelhos e encarar o sol até espirrar, para descobrir sua longevidade. Sem espirro, o sol durará pouco. Lição do interior que não esqueci. Depois do rosto transtornado pela luz excessiva, inicio a peregrinação das mãos pelos ganchos. É meu teatro de bonecos. A volúpia do inútil: abrir os prendedores e compor um tabuleiro de pano no alto de mim. Caprichar na combinação, assim como quem vestirá as roupas. Não prender as peças aleatoriamente, para terminar o serviço de uma vez. Distribuir as cores. Procurar uma harmonia mesmo que seja para os olhos dos pássaros. Avizinhar o verde do marrom do amarelo, tal pintor que compõe a tinta na paleta e descobre variações da mistura. Sou sempre uma saudade lembrada. Prolongo uma alegria infantil e ingênua, que vivia na semana festiva de São João na escola. Era um pequeno aluno disposto a preparar bandeirinhas de jornal e têmpera e cobrir o céu da sala. Acredito que estou fazendo um favor para minha mulher, dando conta de uma das tarefas da casa. Antecipo-me à sua preocupação de secar o mais rápido possível o uniforme do filho. Primeiro, o figurino das crianças. Depois, o da esposa. Por último, as minhas calças e camisas, muito mais numerosas do que a soma das anteriores. Ao recolher, passei a estranhar a posição das roupas. Estavam do lado virado que as deixei. Confiei numa casualidade, desconfiei em seguida. Não poderia estar distraído a ponto de alterar as tradicionais pegadas das unhas. Aguardei o dia seguinte. Escondido no vão da porta, após ter completado a pilha cedo, vejo minha mulher arrumando uma por uma das peças no princípio da tarde. Desembrulhava os jeans do avesso, mudava a posição das mangas, clipava as pontas bem diferentes do que havia esboçado. Ela me corrigia silenciosamente. Eu estendia no café da manhã, ela estendia de novo no almoço. Trabalho dobrado, sem me censurar ou cobrar. Nunca me retorquiu, apenas agradecia com um beijo, fingindo que acertava. Tampouco eu disse alguma coisa. Mantive o segredo e meu modo errado de esticar os tecidos. Como um corpo na areia da praia, nossas roupas tomam banho de frente e tomam banho de costas. Parelhas no bronzeamento. E no cuidado.
quarta-feira, 28 de janeiro de 2009
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário